Gungunhana, rei de Gaza no
sul de Moçambique, foi um grande resistente à penetração dos portugueses
naquele território. Acabou por ser derrotado por Mouzinho de Albuquerque, em
1895, e transferido para Lisboa na companhia de outros prisioneiros. Depois de permanecerem
algum tempo em Lisboa, foi decidido encaminhar quatro deles para a Terceira: o
filho Godide, o tio Molungo e Matibejana, vulgo Zixaxa. Como não era permitida
a poligamia, as sete mulheres de Gungunhana e as três de Zixaxa foram para Cabo
Verde.
A 27 de Junho de 1896,
chegaram a Angra do Heroísmo. Uma vez mais foram aguardados por numerosa
multidão que os acompanhou ao Castelo de S. João Baptista. A imprensa local deu
grande cobertura ao acontecimento e marcou o tom da relação a estabelecer com
os prisioneiros:
"Respeitemo-lo pois, e que se lhes amenize, quanto
possível for, a tristeza de exílio".
Com o decorrer dos tempos, as
medidas de segurança foram-se simplificando e os prisioneiros podiam passear à
vontade pelo Monte Brasil e depois pela cidade. Os moçambicanos começaram,
então, a relacionar-se com os terceirenses. E um jornal local tudo relatava:
"Todas as manhãs, com um pincel de nervura de palmeira, na dimensão de dez
centímetros, esfregavam os dentes no sentido vertical e enchiam a boca de água
para a devida lavagem - projectando-a fora, em seguida, a jeito de esguicho, a
ir cair à distância de vários metros. Procediam, ainda, numa operação que
durava cerca de vinte minutos, à limpeza da língua, com uma espátula de
cana".
Na cidade de Angra, foi moda
durante algum tempo o chapéu com abas à Gungunhana, que as meninas usavam; no
Teatro Angrense, foi representada uma opereta intitulada " Gungunhana nos
Açores", escrita por um terceirense; um artista de circo ofereceu-lhes um
espectáculo privado e especial com números do seu burro sábio.
Em 1899, foram baptizados e
crismados, na Sé de Angra, em cerimónia revestida da maior solenidade e muito
concorrida. Apadrinhados pela alta sociedade angrense, que se esforçou por lhes
dar o estatuto de assimilados, passaram então a chamar-se: Reinaldo Frederico
Gungunhana, António da Silva Pratas Godide, Roberto Frederico Zixaxa e José
Frederico Molungo.
Em 1906, morreu Gungunhana
com hemorragia cerebral, seguiu-se Godide em 1911 e o tio Molungo, um ano
depois. Zixaxa ficou sozinho, com a profissão de guarda do Monte Brasil, até
falecer em 1927, tendo deixado descendentes que ainda hoje vivem em Angra. (por Irene
Maria F. Blayeree Lelia Pereira Nunes)