O ministro das Finanças já avançou com algumas nomeações polémicas para instituições do Estado. Escolhas para reguladores trouxeram continuidade.
Quando o ministro das Finanças assumiu o cargo, tinha à sua espera uma lista de nomeações para fazer. Fernando Medina tem vindo a preencher os postos em instituições relevantes para o funcionamento de setores como a banca, os mercados e os seguros e algumas das nomeações têm gerado polémica, nomeadamente pelas ligações que tinham com o governante, quando este era presidente da Câmara de Lisboa. Quem são as pessoas escolhidas por Medina para as instituições sob a tutela das Finanças?
Entre as primeiras nomeações do ministro encontra-se o novo presidente da Estamo, a empresa gestora do património do Estado. Medina escolheu, em julho, o antigo diretor de Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa, António Furtado, para o cargo, um dos seus “homens de confiança”.
Esta foi logo uma nomeação bastante questionada, já que António Furtado estará a ser investigado num inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) por alegado envolvimento em atos de corrupção e tráfico de influências, segundo noticiou o Nascer do Sol. António Furtado terá sido alvo de escutas da PJ, mas assegurou ao jornal que não é arguido nem nunca foi ouvido neste processo.
A nova administração da Estamo inclui ainda José Realinho de Matos, vice-presidente da Parpública e ex-vice-presidente da Carris, Metropolitano de Lisboa, Transtejo e Soflusa.
Entretanto, surgiu uma nova nomeação polémica para a Estamo, como avançou o ECO em agosto. Fátima Madureira, atual presidente da Agência para a Modernização Administrativa (AMA) e ex-chefe de gabinete de Fernando Medina quando este era presidente da Câmara de Lisboa, foi escolhida para vice-presidente da Estamo.
Isto mesmo depois de a antiga chefe de gabinete de Medina ter assumido o cargo de presidente da AMA sem ter sido escolhida pela Cresap, a comissão independente que avalia os candidatos a altos dirigentes do Estado. Fátima Madureira foi nomeada para o cargo em regime de substituição em 2020 e quando o concurso foi aberto, em janeiro de 2021, candidatou-se, mas não foi uma das escolhidas pela Cresap para a shortlist de três candidatos depois apresentada ao Governo.
Medina preenche administrações dos reguladores financeiros com quadros do BdP
As grandes nomeações seguintes prenderam-se com os supervisores e reguladores. As escolhas recaíram sobre a academia, bem como profissionais que estavam já nas instituições ou provenientes de outros reguladores. Muitos dos nomes escolhidos para os supervisores têm em comum a passagem pelo Banco de Portugal (BdP), sob a alçada de Mário Centeno.
Para administração do Banco de Portugal, que vai passar a ter sete elementos, Medina escolheu Clara Raposo, atual presidente do ISEG, como vice-governadora. A professora, que segundo o Observador é próxima de Mário Centeno, estava indicada para o conselho de administração do BCP, como não executiva, no entanto o seu nome não chegou a ser proposto ao BCE (a indicação para o BdP terá sido o motivo para tal). Era também presidente do conselho de administração da Greenvolt, mas vai interromper para assumir o lugar na administração do banco central.
Luís Máximo dos Santos é reconduzido no cargo de vice-governador, enquanto o administrador Hélder Rosalino já tinha visto renovado o mandato de administrador. Quanto aos restantes administradores que compõem a equipa do governador do BdP, Mário Centeno, são eles Francisca Guedes de Oliveira, Helena Adegas e Rui Miguel Pinto.
Clara Raposo, presidente do ISEG, foi nomeada para vice-governadora do Banco de Portugal. Chegou a ser falada para a administração do BCP, como não executiva, mas acabou por não se realizar.
Luís Laginha de Sousa era administrador do Banco de Portugal e foi o escolhido para substituir Gabriel Bernardino na liderança da CMVMHugo Amaral/ECO
Diogo Alarcão era CEO da Mercer e passou para a frente da ASF
Hélder Rosalino viu renovado o mandato de administrador do BdPHugo Amaral/ECO
Francisca Guedes de Oliveira era docente na Católica Porto Business School e membro da direção da AICEP. Já colaborou com o PS, mas rejeita que isso afete a sua “idoneidade e independência”: “É certo que colaborei com o Partido Socialista, publicamente, no cenário macroeconómico, e não escondo que já participei em outros fóruns de discussão, sempre na qualidade de técnica, não foi nunca numa qualidade política”, disse, durante a audição no Parlamento.
Por sua vez, Helena Adegas sobe na hierarquia do banco, visto que, até agora, era diretora do departamento de mercados, enquanto Rui Pinto, que pertencia à administração da CMVM, regressa à casa de origem, onde atuou como diretor adjunto do Departamento de Supervisão Prudencial entre 2014 e 2016, devendo agora assumir o mesmo pelouro no conselho de administração.
Já pela CMVM, Luís Laginha de Sousa, que até aqui atuava como administrador do supervisor financeiro, foi o escolhido para substituir Gabriel Bernardino na liderança da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Entre 2005 e 2016 esteve ligado à Euronext Lisbon, primeiro como administrador e depois como presidente. Em 2017 foi nomeado administrador do Banco de Portugal para um mandato que terminou em setembro. Tinha os pelouros da estabilidade financeira e dos recursos humanos.
Caminho inverso fez Inês Drumond, que deixa a direção do Departamento de Estabilidade Financeira do BdP e passa a vice-presidente do supervisor dos mercados. A CMVM terá ainda como administradores, além de José Miguel Almeida, Juliano Ferreira, atual diretor do Departamento de Emitentes da CMVM, e Teresa Maria Gil, vinda da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Às escolhas presidiram critérios de competência e conhecimento, tendo presentes objetivos de renovação dos conselhos de administração, e de garantia de equilíbrios entre géneros, idades e áreas de especialização. Fernando Medina Ministro das Finanças
Medina avançou também com nomeações para a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), mas eram nomes que já eram falados anteriormente: Diogo Alarcão e Adelaide Cavaleiro, ambos já aprovados pela Cresap.
Alarcão era CEO da Mercer Portugal, sendo que antes disso foi assessor do Presidente da Agência Portuguesa para o Investimento (2003-2006) e diretor da Direção de Investimento Internacional do ICEP (1996-2003). É licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa e concluiu um mestrado em Administração Comunitária no Colégio da Europa, Bélgica. Foi na Comissão Europeia onde iniciou a sua carreira profissional.
Já Adelaide Cavaleiro era diretora do BBVA Asset Management, a gestora de ativos do banco espanhol em Lisboa. Licenciada em Matemática pela Universidade de Lisboa e com um MBA pela Universidade Católica, trabalha em Fundos de Pensões e sua gestão desde 1992, já na sociedade especializada do BBVA.
Quando finalizou as nomeações, em setembro, o ministro das Finanças salientou em comunicado que “o Governo atribuiu elevada prioridade ao provimento dos lugares vagos nos conselhos de administração dos três reguladores do sistema financeiro português, um processo que ficou concluído em menos de seis meses após a tomada de posse”.
“Às escolhas presidiram critérios de competência e conhecimento, tendo presentes objetivos de renovação dos conselhos de administração, e de garantia de equilíbrios entre géneros, idades e áreas de especialização”, assegurou Medina, acrescentando que “com este passo, ficam garantidas as condições de funcionamento regular dos supervisores, o que constitui mais um fator de confiança para a economia e para o sistema financeiro português”.
Entretanto, os escolhidos para o BdP e ASF já foram ouvidos na Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, que tem de elaborar um parecer sobre as nomeações. Já as audições aos nomeados para a CMVM realizam-se esta quarta-feira no Parlamento, ocorrendo mais tarde porque tiveram de passar pelo crivo da Cresap.
O ministro das Finanças já escolheu também o sucessor de Cristina Casalinho à frente do IGCP, a entidade que gere a dívida pública nacional. É Miguel Martin, que estava na concessionária de autoestradas Ascendi e foi administrador financeiro da Águas de Portugal entre 2016 e 2019, período em que coincidiu com o secretário de Estado João Nuno Mendes quando era presidente daquela empresa pública.
Novo presidente do IGCP, Miguel Martín, era gestor na Ascendi
O novo líder do IGCP entrou a 1 de setembro, a receber o mesmo salário que auferia enquanto gestor da Ascendi, graças a uma autorização do ministro das Finanças. O Estatuto do Gestor Público prevê que os gestores “podem optar pela remuneração do lugar de origem, mantendo as regalias ou benefícios remuneratórios que aí detinham” quando “ocorrer autorização expressa do membro do Governo responsável pela área das Finanças”.
Além disso, novo conselho de administração do IGCP conta com mais dois elementos: Rita Granger manteve-se como vogal, posição que ocupa desde 2019 e Rui Amaral transitou da unidade de investimento da Caixa Geral de Depósitos (Caixa BI).
A nomeação que não chegou a ser
Neste rol de escolhas de Medina existiu ainda uma nomeação muito polémica que acabou por não se concretizar, a de Sérgio Figueiredo, para consultor na área da avaliação das políticas públicas. Foi Sérgio Figueiredo quem contratou o atual ministro para comentador quando era diretor da TVI.
Figueiredo teria um salário de 140 mil euros por dois anos de contrato, o que corresponderia a 5.800 euros por mês, um valor superior ao salário base do próprio ministro das Finanças, segundo foi noticiado na altura.
Além da questão salarial, as funções que o antigo presidente da Fundação EDP iria desempenhar já eram realizadas por um outro organismo do Estado, o centro de competências de planeamento do Estado (PlanAPP).
O diretor de informação da TVI, Sérgio Figueiredo, durante uma entrevista à Agência Lusa, na TVI, Queluz, Sintra.José Sena Goulão / LUSA 12 Março, 2019
As reações políticas não se fizeram esperar, tanto por causa do salário como do perfil para a função anunciada, que era de certo modo “repetida” dentro do Estado, e Sérgio Figueiredo acabou por renunciar ao cargo. O ministro das Finanças reagiu à decisão dizendo que lamentava “não poder contar com o valioso contributo de Sérgio Figueiredo ao serviço do interesse público”.
Fernando Medina começou por dizer que não iria procurar um nome para desemprenhar as funções que seriam atribuídas a Sérgio Figueiredo, apesar de defender a necessidade de alguém para este papel. Mas depois acabou por reverter essa posição e disse, em entrevista à RTP1, que a vaga continuava em aberto.