A desresponsabilização tornou-se uma forma de manter o poder.
Seja na TAP, em que ninguém sabia das circunstâncias de saída de Alexandra Reis, ou se sabia apenas sabia informalmente, seja também no Governo, ninguém sabe quem chamou o SIS, ou sabendo sabe que não pode saber ou, parafraseando o PM, estamos a fazer um mistério de uma coisa que não tem mistério: chamar o SIS seria grave se Portugal tivesse um Governo.
Não é acaso estarmos nas mãos duma comissão de finalistas. De ciclo político, obviamente.
Bernardo Blanco, deputado da IL: “Quem é que lhe disse para contactar o SIS?”
João Galamba, ministro das Infraestruturas: “O gabinete do primeiro-ministro”,” O secretário de Estado Adjunto Mendonça Mendes”.
António Costa, primeiro-ministro: “Ninguém deu instruções ao SIS. Já toda a gente sabe a história. Eu não percebo porque querem fazer mistérios de coisas que não têm mistério”.
Uma nova divisão separa os portugueses. Não, não é a riqueza. Ou de certa forma é, se por riqueza se entender o ter direito à irresponsabilidade. Uns de nós, a esmagadora maioria vê quotidianamente crescer a lista daquilo que tem de se lembrar e cumprir, já outros quando confrontados com as suas decisões (ou falta delas) declaram, como fez esta semana o secretário de Estado das Finanças, a propósito dos 55 milhões pagos a David Neeleman, “Não consigo elucidar“. (Se o secretário de Estado das Finanças então em funções não consegue elucidar quem conseguirá?)
Só na semana que agora acabou passámos a ter de nos lembrar que já começou mais uma greve por trinta dias da CP (sim, caro leitor, a CP chegou a acordo com 14 dos seus sindicatos mas não com o Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante – SFRCI, logo vamos ter nova greve e quando o SFRCI tiver assinado um acordo de imediato os outros catorze sindicatos voltarão à luta). Também ficamos a saber que temos de salvar o planeta e, por isso, não só a PSP esclarece que não vale a pena apresentar queixa contra quem esvazia os pneus dos carros alheios, como temos de pagar mais uma taxinha por usar sacos de plástico quando compramos legumes frescos (oferecem-se alvíssaras a quem conseguir transportar ervilhas descascadas nos saquinhos de rede alegadamente amigos do ambiente e, já agora, também uns carapauzinhos frescos!) Também não podemos esquecer que não devemos usar indevidamente as urgências hospitalares e consequentemente temos de nos lembrar de despertar de madrugada para ir para a fila do centro de saúde… A nossa vida é um rol crescente do que somos obrigados a lembrar: impostos a pagar, declarações a preencher e licenças a obter. Simultaneamente, ministros, CEO, CFO, COO e secretários de Estado desfilam diante de nós, a propósito da TAP, declarando nada saberem, não se lembrarem ou ambas as coisas. E, como se isso fosse pouco, consideram ainda que a ignorância ou a amnésia são sinónimas de desresponsabilização.
Primeiro era Pedro Nuno Santos que não se lembrava de ter aprovado a indemnização a Alexandra Reis, depois lembrou-se e miraculosamente lembrou-se não só ele mas também aquele que fora seu secretário de Estado, Hugo Mendes, que consequentemente teve corrigir o depoimento que dera à IGF.
Já Miguel Cruz, secretário de Estado do Tesouro, que teve a tutela financeira da TAP e que estava no cargo quando a ex-administradora Alexandra Reis saiu da companhia, declarou que desconhecia o acordo com Alexandra Reis, as divergências entre esta e Christine Ourmière-Widener e, por fim mas não por último, as objecções que o Ministério das Infraestruturas colocava ao contacto directo entre a TAP e o Ministério das Finanças ou qualquer outro.
Se do lado do Governo o esquecimento e a ignorância causam dúvidas, do lado dos altos responsáveis pela TAP já nada surpreende: “Não conhecia, não participei, não negociei e não elaborei o acordo de Alexandra Reis” – declarou Gonçalo Pires, administrador financeiro da TAP, ou, como se tornou moda dizer, CFO da companhia aérea. O mais espantoso nem é que Gonçalo Pires não soubesse, é que não tenha achado isso estranho! Já o Inspetor-Geral de Finanças, António Ferreira dos Santos, não sabe se o administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, teve conhecimento ou não do montante pago a Alexandra Reis mas ficou-se pela ignorância. Nesta sucessão de explicações improváveis, a minha preferência vai para o ex-administrador financeiro da TAP, João Weber Gameiro, que não sabe explicar porque a comissão executiva da companhia teve de aprovar um contrato no valor de 625 mil euros para a compra de copos de papel enquanto a indemnização de meio milhão de euros a Alexandra Reis não foi à mesma comissão… Mas agora tudo isto já é passado porque outros esquecimentos maiores se sobrepuseram: o ministro João Galamba às vezes lembra-se, outras esquece-se sobre com quais membros do Governo falou e sobre o que falou na noite em que seu assessor foi trancado no ministério. A sua chefe de gabinete não se lembra de quem veio a ordem para fechar Frederico Pinheiro no ministério mas assume ter sido ela a chamar o SIS, o que já é uma lembrança em segunda mão pois inicialmente o ministro João Galamba declarou ter sido ele a articular com a sua chefe de gabinete a chamada para o SIS e não ter sido ela a chamar por iniciativa própria o SIS. O ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, diz que não pode dizer o que lhe disse Galamba naquela noite porque “o que se passou está nos autos e está, portanto, no Ministério Público” . À procura do seu lugar neste universo de desresponsabilização anda agora o secretário de Estado António Mendonça Mendes. E, sejamos honestos, porque não há-de o senhor secretário de Estado adjunto ter direito ao seu esquecimentozinho?
A desresponsabilização tornou-se uma forma de manter o poder. Seja na TAP, em que ninguém sabia das circunstâncias de saída de Alexandra Reis, ou se sabia apenas sabia informalmente, seja também no Governo, ninguém sabe quem chamou o SIS, ou sabendo sabe que não pode saber ou, parafraseando o PM, estamos a fazer um mistério de uma coisa que não tem mistério: chamar o SIS seria grave se Portugal tivesse um Governo. Não é o acaso estamos nas mãos duma comissão de finalistas. De ciclo político, obviamente.