É conhecido o horror que a comunicação social em geral alimenta a respeito das redes sociais. Ouvimo-lo e lemo-lo variadíssimas vezes. Recentemente um comentador da SIC recomendou até aboli-las gradualmente. O contraste proclamado é conhecido: a comunicação social é a informação, as redes sociais a desinformação; a comunicação social é a verdade, as redes sociais as mentiras; a comunicação social é a luz, as redes sociais as trevas. Os factos não são assim, já que a comunicação social também tem as suas zonas negras e as redes sociais proporcionam grandes benefícios.
Se a comunicação social tivesse um comportamento geralmente
isento e decente, aberto e avesso à manipulação, interessado no serviço do
público, no direito à informação e sem agendas premeditadas, a dependência das
redes sociais por parte de muitos cidadãos e variados sectores cívicos não se
teria instalado. Pode ser triste dizê-lo, mas a verdade é esta: hoje, a
liberdade de expressão e de informação é mais tributária das redes sociais do
que da comunicação social.
As redes sociais também ecoam e reportam a comunicação
social, enquanto esta cala as redes sociais, excepto para as sujeitar a “fact
checks”. E, nas redes sociais, é possível apresentar e explicar, responder,
replicar e reagir, mas não na comunicação social. As redes sociais carecem, sem
dúvida, de regulação que as reconduza a um espaço geral de responsabilidade e
faça desaparecer naturalmente os excessos, a selvajaria, a cultura fora-da-lei.
Mas são um formidável instrumento, essencialmente democrático, que permite a
qualquer cidadão ou organização agir na hora e conhecer directamente, em
relação aberta com literalmente o mundo inteiro, como nenhum outro meio de
comunicação anteriormente. E é uma enorme garantia de defesa da cidadania
contra os poderzinhos instalados no sistema de comunicação social, que aplicam
frios modelos autoritários de cancelamento de todos os que, a cada momento,
segregam.
Se, ao menos, a comunicação social fosse plural, este
cancelamento imperante não existiria: como vemos noutros países, os
“cancelados” por uns não seriam “cancelados” por outros e todos, a final,
teriam espaço num quadro de efetiva pluralidade. Mas, por uma bizarra
singularidade portuguesa, a pluralidade é muito aparente, entre nós: por um
lado, nos órgãos onde a pluralidade existe, é restrita ao espaço de opinião e,
muitas vezes, com espectro estreito; por outro lado, normalmente não abrange a
informação e, ao fim de algum tempo de operação, todos tendem a cobrir as
mesmas coisas e a olhá-las da mesma maneira, o que é a própria negação da
pluralidade. É como se houvesse subjacente uma oligarquia da agenda, com o
poder fáctico de pôr fora-de-jogo quem não quer e de quem não gosta.
Não é a primeira vez que reflicto sobre estas questões.
Vivo, nesta altura, uma experiência dessas de cancelamento geral.
A Sociedade Histórica da Independência de Portugal é, de há muito, objecto de
cancelamento geral: é praticamente impossível conseguirmos publicação de uma só
notícia sobre as actividades que desenvolvemos. Já não estranhamos. Não nos
conformamos, pois é impossível alguém habituar-se à mordaça e ao silenciamento.
Mas não nos surpreendemos. As redes sociais têm sido, por isso, a alameda onde
podemos e conseguimos comunicar e exercer a nossa liberdade e cidadania,
contornando a censura estabelecida pelos patrões da agenda mediática. Apesar de
recursos muito limitados, temos, ao fim de quatro anos, 27.800 seguidores na
nossa página principal e tivemos, recentemente, 380.000 visualizações num vídeo
de narração histórica. Passo a passo. Grão a grão.
Como Presidente da Direcção da Sociedade Histórica da
Independência de Portugal, estou a dirigir um ciclo sobre os “50 anos do 25 de
Novembro”, revivendo os “desvios, confrontos, percalços da Revolução e o
triunfo da Democracia”. Com sete sessões semanais, no Palácio da Independência,
todas as quartas-feiras, começou em 15 de Outubro e acabará a 26 de Novembro.
Nas primeiras quatro sessões, conversámos sobre “Primeiros abalos”
(Julho-Setembro 1974), “Choques: descolonização e partidos” (Outubro 1974-Março
1975), “Golpe e contragolpe” (11 de Março) e “Legitimidade democrática”
(eleições constituintes, 25.abr.1975). Nas próximas três, trataremos “A
fractura” (Verão quente: Maio-Agosto 1975), “A aceleração” (Verão quente:
Setembro-Novembro 1975) e “Democracia e Liberdade” (25 de Novembro). A última
sessão foi a 5 de Novembro, a próxima será depois de amanhã, no dia 12.
Toda a comunicação social tem recebido notas de imprensa
prévias, anunciando cada uma das sessões do Ciclo “50 anos do 25 de Novembro” e
seus intervenientes. Recebe também uma sinopse sintética do respetivo conteúdo.
É um ciclo muito simples, planeado para desfiar retrospectivamente os factos do
nosso PREC e a sua sucessão e intensidade, permitindo compreender “O que foi” e
“Como aconteceu”, sem fantasias. Temos tido como moderadores Henrique Monteiro
e Raquel Abecasis. O painel residente integra, rotativamente, Carlos Magno,
José Luís Ramos Pinheiro, Maria João Avillez, Nuno Rogeiro e eu próprio. E como
convidados, temos tido João Soares, Coronel José Sanches Osório, Embaixador
Luís de Almeida Sampaio e Zita Seabra, a que se juntarão Nuno Pena, General António
Vaz Afonso, Coronel Florindo de Morais e Hélder de Oliveira.
De toda a comunicação social, nenhum órgão esteve presente
em qualquer das quatro sessões, a não ser a Rádio Renascença na primeira
sessão, que abriu o Ciclo. Repito, nenhum! Um grupo de média tinha-nos até
prometido envolvimento, parceria, colaboração. Quando se aproximou a montagem e
lançamento, deixou de atender o telefone e de responder às chamadas.
Ora, objectivamente, não se pode dizer que o ciclo não tem
interesse. Não tem interesse o 25 de Novembro? Não têm interesse as fracturas e
os confrontos, os golpes e contragolpes, o cerco da Constituinte, o começo,
ascensão e queda do gonçalvismo, as centenas de prisões políticas, o país
dividido, a violência contra sedes partidárias, os SUV, o contar das
espingardas, o desastre a anunciar-se?
Não tem interesse a verdade na ocasião dos 50 anos? Não tem
interesse o testemunho simples e verdadeiro de pessoas que viveram esses
factos, alguns na primeira linha? Pode ser que não tenha interesse para algum
manipulador autoritário de “verdade” feita e imposta. Mas para toda a
comunicação social? Ah!… a tal mãozinha invisível oligárquica.
Se não fossem as redes sociais, estaríamos asfixiados pelo
cerco; assim, não sendo o ideal, podemos comunicar. Enquanto os outros ficam
com a sua ditadura, onde não existimos, as redes são a nossa liberdade. Podemos
fazer chegar, até em directo, a verdade que vivemos e conhecemos, debatemos e
revelamos. Em certo sentido, as redes sociais são o nosso 25 de Novembro
contemporâneo, o nosso momento Danny Kaye.
