quarta-feira, 6 de novembro de 2024

lembram-se do Norberto?

eu sei que não se lembram por isso aqui vai:
Que a eleição Trump (por quem a extrema-direita, portuguesa e internacional suspiram) vai ser um problema bicudo para a Europa, depois de ser para os EUA, também, é certo e sabido. Eleger um troglodita desses, por quem Putin reza para ser eleito, é um desastre para o Mudo livre e democrático.

sábado, 2 de novembro de 2024

"Os Invisiveis" ou a "realidade desfocada" que nos mostram

Dia 1, foi dia de Todos os Santos, dia em que lembramos os santos visíveis, mas sobretudo os invisíveis – os muitos que passaram por esta vida fazendo discreta e anonimamente o bem sem que a História, a Hagiografia ou esta nossa “realidade desfocada” os reconhecesse e os nomeasse.
Helena Matos muito justamente, a expressão “realidade desfocada” – ou mais precisamente “a demagogia desta realidade desfocada que estamos a viver” – a propósito de vítimas invisíveis ou que a demagogia torna invisíveis por estarem do lado errado da História. E lembrou Tiago, o motorista do autocarro incendiado em Loures.
Tem havido nestes dias, por cá, muitos “invisíveis”, vítimas de uma estranha conspiração de silêncio em que por equivocada estratégia de pacificação, alinhamento ideológico ou maniqueísmo fundamentalista, têm entrado os que têm o dever de nos informar.
O motorista do autocarro incendiado, os passageiros esfaqueados, os donos dos carros queimados são quase tão invisíveis e silenciados como os “jovens encapuzados” ou como os atiradores dos cocktails molotov que vão causando os distúrbios como que vindos do nada. Parece que há vítimas boas e vítimas más, carrascos bons e carrascos maus, conforme a causa, a ideologia, a etiqueta que se lhes vai colando.
É assim a narrativa quotidiana desta nossa “realidade desfocada” que tende a obedecer ao dogmatismo instalado, multiplicando as vítimas dos “maus” e ocultando as vítimas dos “bons”.
Os invisíveis da História
Há sempre dois (ou mais) lados na História, mas, entre nós, tem havido um lado com vítimas mais invisíveis. Tem sido assim desde o passado longínquo: os católicos e a Inquisição são acusados de grandes mortandades (em Portugal morreram 1200 pessoas em Autos de fé, em duzentos anos), porém, aparentemente, os católicos mortos pelos protestantes não existem. E morreram muitos, sobretudo na Inglaterra dos Tudor, a começar por São Thomas Moore, passando pelos massacres dos suecos de Gustavo Adolfo na Baviera, na guerra dos Trinta Anos, ou pelos dos puritanos de Cromwell na Irlanda católica.
Em nome da Democracia, da Liberdade e da Igualdade, os Marat, os Robespierre, os Fouquer-Tinville, os Carrier, prenderam, torturaram, guilhotinaram, afogaram muitos milhares de pessoas de todas as classes em França. E os republicanos franceses foram os pioneiros do genocídio contra os camponeses católicos da Vendeia.
Os crimes do nazismo e as barbaridades em nome da raça e da nação alemãs são crimes, são imperdoáveis e estão mais que estudados, historiados e ficcionados, como é devido. Em contrapartida, os crimes do comunismo, na Rússia de Lenine e Estaline, na China de Mao Tsé-Tung, na Europa Oriental, no Cambodja dos Kmers Vermelhos, são tendencialmente ignorados, branqueados, tornados invisíveis. E há cidadãos acima de toda a suspeita, como alguns dos lusos subscritores do recente Manifesto Vida Justa, que são, ou pelo menos foram e já em idade adulta, admiradores confessos das grandes figuras do socialismo que dirigiram a prática destes crimes.
Há uma explicação: é que os crimes dos comunistas e do comunismo – e em geral todos os crimes da Esquerda – são feitos em nome de ideais considerados superiores: a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade, o Socialismo, a Nova Humanidade, a promessa de uma Vida Justa. Muitos destes valores, de resto, são trágicas e apressadas corruptelas de valores cristãos, como os do Sermão da Montanha.
O facto de estes paraísos na terra ou a sua promessa terem gerado realíssimos infernos, matando e vitimando mais almas do que as exterminadas por Hitler, permanece praticamente invisível ou é considerado o irrelevante dano colateral de um “imorredoiro ideal”. E no entanto, somando todos estes paraísos na terra, com o Holodomor ou a fome na Ucrânia e as campanhas agrícolas de Mao Tsé-Tung do “Grande salto em Frente”, chegamos facilmente aos 100 milhões de vítimas “invisíveis”; o equivalente, contabilisticamente, a vários holocaustos. Frank Dikötter, com base nos arquivos do Partido Comunista Chinês, fixou em 45 milhões o número de vítimas da Grande Fome da China, com múltiplos casos de canibalismo nas aldeias.

Os que não deixam ver
Os grandes media ainda são, por agora, quem dá e tira visibilidade a vítimas e carrascos, mas a realidade desfocada que nos mostram torna-se cada vez mais evidente.
Na América, a consciência pública desta demagógica desfocagem é crescente. Num inquérito da Gallup deste ano, a confiança dos americanos na imparcialidade dos mass media – jornais, TV e rádio –, baixou de 72% em 1976 para 31% em 2024, sendo a desconfiança total (“no trust at all”) de 36% e a relativa desconfiança (“not very much confidence”) de 33%.
Foi Jeff Bezos, proprietário do Washington Post desde 2013, que citou este inquérito para lembrar que a fé da população nos jornalistas caiu de tal forma que o último lugar da fiabilidade deixou de ser dos políticos. E acrescentou no Washington Post de 28 de Outubro: “o Post e o New York Times ganham prémios mas falam cada vez mais para uma pequena elite, para si mesmos”.
Quando Bezos, talvez por boas e más razões, se recusou a fazer o endosso oficial do jornal à candidatura de Kamala Harris para presidente, 8% dos assinantes cancelaram a assinatura e vários colunistas saíram em sinal de protesto.
De qualquer forma, com ou sem endosso oficial, o apoio do Washington Post ou do New York Times a Kamala Harris contra “o mal absoluto”, o próprio Hitler (sem que as vítimas passadas e presentes das utopias e narrativas que a dupla democrata de facto secunda sejam sequer referidas ou ganhem qualquer visibilidade), nunca foi segredo para ninguém; muito menos para os inquiridos que expressaram a sua desconfiança na imparcialidade dos grandes media e dos jornalistas em geral. Ainda assim, e porque nos Estados Unidos os media são, tradicionalmente, politicamente alinhados, trata-se ali, geralmente, de uma desfocagem da realidade mais ou menos declarada.
Aqui não, aqui a lente é teoricamente exacta e a “montra” neutra, isenta e objectiva – talvez por isso a desfocagem seja ainda mais demagógica e a invisibilidade de algumas vítimas, carrascos e realidades mais densa.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

É a política ao nível do reality show, à medida das televisões...

O jogo orçamental é uma invenção do presidente da república. Foi ele, em 2021, quem decidiu que haveria eleições sempre que um orçamento não fosse aprovado. O jogo tem dois pressupostos: 
O primeiro é que um orçamento de Estado está acima das divergências políticas, e pode e deve ser viabilizado por partidos que querem coisas diferentes. Basta que se “entendam”. 
O segundo pressuposto é que os eleitores não gostam de votar muitas vezes, e castigarão em novas eleições quem delas passar por responsável. 
Posto isto, o jogo consiste em cada jogador tentar endossar aos outros a culpa por não haver entendimento orçamental. 
É um jogo que faz esquecer opções políticas, e concentra a atenção no jeito ou sorte dos concorrentes. Convida ao psicodrama e à manipulação. É a política ao nível do reality show, à medida das televisões.

O picante do jogo deste ano era a suposição de que havia um PRD, à custa de quem o governo esperava reforçar-se, atrelando-o à sua minoria parlamentar, ou canibalizando-o em eleições. Como o PRD em 1987 era um partido recente, com um crescimento eleitoral súbito, muitos pensaram que o papel estava agora destinado ao Chega. Mas talvez conviesse estudar melhor a história. O PRD era feito de votos do PS. Em 1987, o PSD herdou votos do PS, embora através do PRD. 
E agora, são também os votos do PS que o governo tem em vista. Daí os aumentos para pensionistas e funcionários e o abraço de 22 milhões de euros às empresas de televisão virem embrulhados num fervor woke que, indo além da incerteza sobre o que é uma mulher, até inclui uma ponta de ódio a Israel. 
Não é um cocktail político a pensar em eleitores de direita. Corresponde ao que as direcções do PSD acreditam desde 2017: que o PS descobriu como se manda em Portugal, e que o PSD precisa de ser igual ao PS para lhe herdar o poder.
As cartas pareciam na mão do governo: ou levava o PS a viabilizar o orçamento, e tinha pelo menos um ano para consolidar a ideia de que o PSD é o novo PS; ou levava o PS a romper, mostrando aos dependentes do Estado que os socialistas, afinal, não cuidam dos seus interesses. A ironia da história é que nada disto seria possível sem a existência de um Chega com que o PSD não quer acordos. É porque o Chega impede as maiorias de esquerda que permitiriam ao PS governar, neste parlamento e provavelmente no que saísse de uma nova eleição, que o PS tem pouco interesse em ir a votos. É porque o Chega concentra agora em si, como uma espécie de para-raios, a demonização de que a esquerda é capaz, que os socialistas reconheceram que o PSD, por contraste, não é bem de direita, é até uma espécie de meio-irmão. O Chega que poderia ter servido ao PSD para formar uma maioria reformista. Serve-lhe em vez disso para consolidar uma maioria situacionista.
Tratava-se de saber se os. socialistas iriam descobrir como sair daqui. Não descobriram, como Pedro Nuno Santos confirmou ontem. Vão, portanto, deixar governar Luís Montenegro. 
Ainda não sabemos se o PSD conseguirá mesmo “cumprir o seu ideal”, como o Brasil no fado de Chico Buarque, e ver funcionários, pensionistas, artistas pró-Palestina e comentadores de televisão reconhecerem-no como o novo PS. O que já sabemos é que governar em Portugal continuará a ser sinónimo de fazer despesa pública, isto é, distribuir através do Estado uma riqueza que os governantes não mostram nenhuma preocupação em deixar crescer. Bem pode o país divergir há vinte e cinco anos da UE. Bem podem Mario Draghi e Christine Lagarde, apavorados com o futuro, pedir “reformas estruturais”. O poder em Portugal é socialista, com ou sem PS.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

MOSSAD. Atague aos pager's

Tenho estado ausente do FB por razões compreensíveis. Tenho continuado a escrever o que me comprometi, a ler o livro que recebi (atentamente, recorrendo a outras fontes para recortar a informação), bem como outras situações da minha vida, nomeadamente do foro do "caruncho" típico da idade. Mas hoje não posso deixar de cá vir. A operação lançada pelo Mossad israelita foi um estouro. Mortos até agora 9, feridos: largos milhares. Destruída uma linha de comando que levou anos a construir. Deve estar eminente um ataque ao Líbano e à Síria.
Mas vamos a factos. De uma observação superficial dá para perceber que não foram as pilhas que explodiram. Apesar dos jornaleiros o dizerem em todas as TV e noticiários que até agora vi. Qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe que explodirem todas em simultâneo (em áreas tão distantes) implica um sinal electrónico sincronizado. Além de mais nem todas as pilhas reagem a qualquer sobreaquecimento. E emitem calor (muito calor). Quem já utilizou um "pager" sabe perfeitamente isso. Sente-se o calor junto da pele. Basta desligar o aparelho e tudo fica bem. Além do mais o tipo de explosão das pilhas não provoca tantas efeitos como o demonstrado nos vídeos dos supermercados que já vimos. A carga explosivo deve ser equivalente a uma carga explosiva entre 10 e 40 gramas de TNT (o equivalente a uma vela de 25 gramas de TNT. O explosivo teve de ser inserido de forma dissimulada) no fabrico dos "pagers". Made in Taiwan. Exportados para o Líbano e Síria. Serviu para o Hezbolah e para civis (médicos e vendedores especialmente). 
A operação foi muito cara para Israel. Implicou a utilização de uma empresa com fábrica na Formosa. Houve modificação do modelo Gold Apollo ar 924. Houve a introdução de um comando no software que permitiu o detonar simultâneo de tantos milhares de aparelhos. A empresa Gold Apollo é americana. Está arrumada. Nunca mais será rentável. Foi uma operação muito bem feita. Cara (sem dúvida), mas eficaz. Exigiu muito tempo e muito esforço. Muitos dedos perdidos. Muitas lesões junto dos cintos em que normalmente os "pagers" são transportados. Os hospitais do Líbano em crise. Mecanismos de informação e comando rebentados. Apesar de não ser partidário dos genocidas israelenses tenho que reconhecer que foi uma operação muito eficaz. (José Carlos C Lopes)

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Isabel, para memória futura

Zé falar sobre nós ainda me é muito difícil. Por cá para fora o que tivemos , o que fizemos e como o sentimos é algo que guardo para mim porque foi tão grande. Tão rico de experiências e sensações e de tanta aprendizagem que temo não conseguir encadear um texto que se possa assemelhar ao que tivemos e ao que até Acabamos por aprender
Sabe bem que foi o homem da minha, para não dizer que ainda o é
Está colado em mim como uma parte minha que a vida me roubou e não posso recuperar Mesmo que eu .não queira a nossa história está colada em mim e assim ficará Para sempre porque se tornou uma parte de mim, de nós que sinto que me roubaram e não posso recuperar. Se um dia nós reencontrarmos, o que infelizmente não irá acontecer certamente espero receber um dos seus largos e únicos para mim, abraços. A esta distância continuo a amà-lo como aconteceu na nossa história. Desde então não amei mais ninguém nem posso porque o seu coração está em mim. Nunca saiu de lá. Amo- como então igualzinho
.espero só que tenha perdido algum peso. Gostaria de lhe dizer muitas coisas mas não consigo. A nossa história foi a maior prenda da minha vida.
O pior é que continuo a amá-lo mesmo a esta distância e ainda consigo senti- lo dentro de mim. Um enorme abraço e obrigada por ter estado na minha vida. Pode continuar lá. Se lhe apetecer. Eu recebo sempre bem. Se um dia nós reencontrarmos perceberá. Ainda o tenho dentro de mim. Chega por hoje. Vou tratar do almoço .amor não alimenta barrigas. Continue em mim
Tem um lugar cativo. Se um dia precisar de uma viúva tem aqui uma , já viúva desde a pandemia . Mesmo assim continua a ama- l0.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

domingo, 10 de março de 2024

O eleitor-tipo

Partido Socialista: O PS é apontado como sendo um partido que tem um eleitorado mais velho e também fiel aos socialistas. De acordo com o levantamento feito por Pedro Magalhães e João Cancela, o maior número de votos, em 2022, foi de mulheres, apesar de ser um dos partidos com menos eleitorado feminino e menos instruído.

Partido Social-Democrata: O eleitorado do PSD é parecido ao do PS. Mas há mais homens a votar no PSD, em vez de mulheres: Em 2005, houve uma maioria absoluta do PS. Em 2009 foi maioria relativa. Em 2011 o PSD e o CDS têm uma maioria. Isto é no espaço de seis anos, os eleitores transitaram de uma maioria absoluta do PS para o PSD/CDS.

CHEGA: Com um crescimento acentuado nas últimas eleições, o partido conseguiu conquistar votos dos eleitores descontentes. É também muito mais votado por homens do que por mulheres (praticamente dois em cada três eleitores são do sexo masculino). É entre as pessoas com o ensino secundário que o Chega teve mais votos.

Iniciativa Liberal: A par do Chega, do PAN e do Livre, a IL é um dos partidos mais recentes do panorama político. E juntamente com o Livre e o PAN foi um dos partidos preferidos dos jovens. A maioria dos votantes da IL são também mais instruídos (9% dos votantes com ensino superior). Apenas 1% daqueles que têm menos que o ensino secundário escolheram os liberais.

Bloco de Esquerda: É outro dos partidos preferidos dos mais jovens (8% dos votantes jovens foi para os bloquistas). Em termos de crescimento eleitoral, as características do partido acabam por ser semelhantes às que se verificam na IL, 55% dos votantes dos bloquistas eram do sexo feminino.

PCP/CDU: Os comunistas foram um dos partidos com mais percentagem de voto masculino. Apesar de não ter muitos eleitores jovens, a CDU teve um melhor resultado entre os 18 e os 24 anos, em pessoas sem o ensino secundário. De acordo com os investigadores, alguns dos votantes comunistas habituais podem ter transitado para o PS.

rui.godinho@dn.pt

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

bateu no fundo!

 

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Aljubarrota

Batalha de Aljubarrota:
desde o planeamento ao campo de batalha

Aljubarrota

Aos pregões por Dona Beatriz respondiam abertamente: “De quem for oreino, levá-lo-á.” Se se rompesse a linha de sucessão tradicional, esses fidalgos tinham o seu candidato ao trono: Dom João de Castro, filho mais velho do rei Dom Pedro e de Inês de Castro, que ao tempo se encontrava em Castela, e que Juan I mandara de imediato prender, por se acaso... Aos primeiros sinais de descontentamento e resistência, Juan I invadiu Portugal. Ao atravessar em modos de guerra a fronteira, rasgou o tratado de Salvaterra de Magos. A partir daí, valia tudo. À regente, a rainha viúva Leonor Teles, e à sua filha Beatriz, com Juan I a seu lado, juntavam-se as candidaturas ao trono de Dom João e Castro, do seu irmão Dom Dinis de Castro (em cujo túmulo uma inscrição rezava “Aqui jaz Dom Dinis II”) e, mais tarde, do Mestre da Ordem de Avis, também João de seu nome, filho ilegítimo de Dom Pedro e por isso meio-irmão do rei Dom Fernando e dos Castro. Herói improvável da conjura palaciana para matar João Fernandes Andeiro, convertera-se depressa no favorito do povo de Lisboa, sempre com os mesteirais à frente, depois do Porto, de Évora... Os mercadores e as elites mais ricas, que tinham muito a perder, não se mostravam inclinados a apoiar uma aposta claramente perdedora. Porém, devidamente pressionados pela “arraia-miúda” e pelos artesãos das principais cidades, acabaram por apoiar a causa do Mestre de Avis. E a guerra avançou. Numa primeira batalha na fronteira alentejana, na herdade dos Atoleiros, na qual Nuno Álvares Pereira, nomeado condestável de Portugal pelo Mestre de Avis, proclamado numa assembleia popular, na capital, como “Regedor e Defensor do Reino”, venceu a hoste castelhana: a primeira vez na história do reino em que um comandante mandou a cavalaria desmontar e combater a pé, e venceu. 
A BATALHA DE ALJUBARROTA. É talvez a ilustração mais reproduzida nos manuais de história em Portugal. Esta miniatura das Crónicas de Jean de Wavrin é do séc. XV.

Uma vez começadas, as batalhas raramente seguem o guião que os estrategos traçaram para elas, mas a batalha que teve lugar no campo de São Jorge desenrolou-se quase como a prepararam Nuno Álvares Pereira e Dom João I. (Luís Miguel Duarte)

Esta era uma daquelas batalhas de tudo ou nada, em que se decidia a independência de Portugal. Daquelas batalhas de que não há recuperação possível e que, por isso, os estrategos tentam evitar, só aceitando travá-las em situações de desmedida confiança (assim se sentia o exército de Juan I de Castela) ou de desespero (em parte o estado de espírito a situação dos portugueses). Como se chegara aqui? Como tantas vezes, por um problema de sucessão dinástica. Dom Fernando, o nono rei da primeira dinastia de Portugal, dita de Bolonha, tomou algumas excelentes medidas de governo (no fomento económico, na regulação social, mantendo o avultado tesouro régio que lhe deixara seu pai, repartido por várias torres de vários castelos do reino). Mas talvez porque o coração tem razões que a razão desconhece, forçou um casamento inconveniente e indigno de um rei (com a mulher de um vassalo seu), alienando muitas simpatias do povo e o respeito de numerosos vassalos. Pior do que isso: envenenado pelo círculo de exilados castelhanos da facção perdedora da “Guerra dos Trastâmaras”, deixou-se convencer que tinha legítimas pretensões à Coroa de Castela (e algumas tinha) e fez sua a missão de expulsar desse trono o “usurpador” Henrique, que matara à traição o seu irmão Pedro. Seguiu-se uma longa guerra com Castela, ritmada por três períodos de invasões mútuas, das quais Portugal saiu quase sempre muito mal. E assim, do céu em que Fernão Lopes converteu os primeiros anos do seu reinado, por um mau casamento e ambições políticas deslocadas, desfeitas em batalhas terrestres e navais, depressa se passou ao inferno: Fernando morreu sozinho, talvez envenenado, com uma mulher que o traía com um fidalgo galego, como era público e notório, num reino economicamente devastado e militarmente exangue.

Sem descendência masculina. A sua única filha, Beatriz, com quem haveria ele de casá-la, para garantir desde logo a sobrevivência física da menina (as crianças morrem e, se atrapalharem muitos planos, morrem ainda mais…) e ao mesmo tempo a independência do reino? Talvez com o seu inimigo, Juan I, rei de Castela.

Dom Fernando sentia-se doente e sozinho, impopular, militarmente vencido. E o único partido em quem lhe pareceu poder confiar para proteger a filha, foi o rei castelhano que se converteu automaticamente em “amigo próximo” e aliado de longa data. O Tratado de Salvaterra de Magos, de 2 de Abril de 1383, que formalizava o casamento e esclarecia as condições, foi uma tentativa de salvar os dedos e um ou outro anel. Começava com uma exigência clara: os reinos de Portugal e de Castela nunca podiam ser unidos. No melhor cenário, Leonor Teles ficaria como regente até que o primeiro filho varão de Beatriz e Juan I fizesse 14 anos. Havia depois um clausulado intermédio que previa diversas situações, que Dom Fernando terá ponderado com o siso possível e os conselhos disponíveis, a melhor, e talvez a única maneira, de proteger a filha e garantir a independência de Portugal. Visto por nós, hoje, o tratado parece a receita para o desastre.

Assim que Dom Fernando, deformado pela doença e regressado a Lisboa num cortejo já quase fúnebre, a meio da noite, às escondidas, faleceu, foram rápidos os que apareceram a cavalo pelas cidades e vilas a proclamar “Arraial por Dona Beatriz, rainha”. As reacções não foram as esperadas. As camadas populares odiavam Leonor Teles e o seu amante, João Fernandes Andeiro. Os mesteirais, sobretudo os de Lisboa, cujas ambições profissionais e políticas tinham sido reprimidas pelo sangue, tinham contas a ajustar com a rainha viúva e a memória dos companheiros mortos e infamados, eles e suas famílias, para reabilitar.

A nobreza encontrava-se dividida, num processo que, como explicou o historiador José Mattoso, vinha já, pelo menos, do reinado de Dom Afonso IV (1325-1357): algumas famílias castelhanas como os Castro e os Teles de Meneses, açambarcavam os seis escassos títulos existentes à época, mas outras, descontentes com o predomínio na corte dos exilados castelhanos e dos validos de Leonor Teles, não aceitariam a transição apregoada sem resistência.

Um mito ressonante: a padeira de Aljubarrota. A saga da famosa padeira responsável pela morte de sete, oito ou nove castelhanos (consoante as versões mais populares) só foi fixada em texto cerca de dois séculos e meio após o confronto de 1385. Como todos os mitos, este episódio teve diversas funções. É provável que, no século XV, a história de uma só figura batendo-se em inferioridade numérica servisse para exaltar o feito do exército comandado por Nuno Álvares Pereira. Talvez até corresse na região anos mais tarde, ganhando pormenores e brilho sempre que a independência do reino parecia estar em causa. É certo, porém, que só foi fixada em texto em 1642 pelo monge Francisco Brandão, que a ouviu na zona de Aljubarrota. Alexandre Herculano investigou as origens do mito no século XIX e alimentou-o, embora não desse por provada a realidade do episódio. No século XX, nos manuais de história do Estado Novo, o episódio era contado sem particular espírito crítico, exaltando as virtudes da luta de um exército contra o mundo. De concreto, sabe-se apenas que existiu, anos depois da batalha, uma padeira em Aljubarrota, de mau feitio e aparência rude. Chamava-se Brites de Almeida.
padeira de Aljubarrota

José Mattoso fundamentou uma conclusão: o que acontece em 1383-1385 em Portugal é sobretudo uma divisão profunda na nobreza, fruto de uma “reorganização” dos seus quadros que vinha de trás e criara profundos antagonismos e clivagens. Não foi uma revolução popular nem patriótica. Concordamos, mas não desvalorizaríamos tanto opapel desempenhado nos acontecimentos pela arraia-miúda e pelos demais estratos do povo. Foram os mesteirais e o povo de Lisboa que “empurraram” o Mestre de Avis para “Regedor e Defensor do Reino”. Foram eles e o povo-miúdo, de Lisboa e do Porto que, pela violenta ameaça física, obrigaram as elites mercantis a apoiarem acausa do Mestre, a contragosto. Foram os mesteirais, porque tinham treino militar, que dirigiram os ataques populares às alcáçovas, sobretudo nas terras alentejanas em que o alcaide-mor estava por Dom Beatriz e a população da terra pelo Mestre. Foram os grandes mercadores (o caso dos do Porto está bem documentado) que praticamente pagaram a guerra do futuro Dom João I: satisfazendo as exigências de alguns nobres deselegantemente venais, custeando a vinda dos mercenários ingleses que seriam decisivos em Aljubarrota.

Se nada do que aconteceu teria acontecido sem as profundas divisões entre os nobres e na corte, o mesmo se pode afirmar da participação do Terceiro Estado. Aliás foi o povo comum de Lisboa, devidamente manipulado por uma pequena conspiração de fidalgos e de um veterano do serviço régio, que praticamente “elegeu” na rua como candidato ao trono o Mestre de Avis, para gáudio dos que tinham encenado essas manifestações.

A “bagagem” dos dois exércitos

Quando se chega ao momento da batalha, é costume abstrair-nos de tudo o que, entretanto, se passou e concentrarmo-nos apenas no dia 14 de Agosto de 1385 no campo de São Jorge. Porém, as duas forças situadas no terreno, prontas para iniciar o confronto decisivo, traziam atrás de si uma significativa “bagagem”, no sentido do moral das tropas e do “histórico” desta guerra específica.

Os castelhanos (com os seus aliados franceses, gascões e, nunca o esqueçamos, muita da melhor nobreza de Portugal) foram chegando aos magotes, exaustos por um dia de marcha sob o pior calor de um Agosto no centro dopaís, depois de muitosdiasde marcha. Tendo em conta que a concentração para a “grande invasão” começara em Janeiro, alguns soldados estavam em campanha havia cerca de seis meses, com o brutal desgaste associado. O papel de Juan I era decisivo devido à heterogeneidade do seu exército, mas o rei deslocava-se agora numa liteira: atacado pela malária, imaginamo-lo com febre, sem forças, a passar a pior das mensagens para os seus combatentes. Em 21 de Julho (pouco mais de três semanas antes da batalha), detém-se em Celorico da Beira e, enquanto mais tropas se lhe juntam, o rei faz o seu testamento. Nada há de anormal no gesto: os reis, os príncipes, os cavaleiros deviam prevenir-se com um documento destesantesde partirempara a guerra. Fizeram-no tranquilamente o infante Dom Henrique e o infante Dom Fernando, seu irmão mais novo, antes da desastrosa tentativa de conquistar Tânger, em 1437.

batalha de Aljubarrota

O cerco de Lisboa. Poderia não ter existido Aljubarrota se um ano antes, em 1384, o cerco de Lisboa tivesse conduzido à rendição da capital do reino. O exército castelhano esteve prestes a obter a capitulação das forças exaustas e sem mantimentos da cidade, mas um surto de peste provocou danos nos dois contingentes e apressou a retirada castelhana. Lisboa, na ocasião, foi salva pelo mais improvável dos aliados: a doença contagiosa.



Acontece que neste caso não estávamos perante uma simples precaução “administrativa”: Juan I estava bastante doente. Se a hoste portuguesa tinha dois bravos chefes militares, Dom João I e Nuno Álvares, na castelhana não se destacava nenhuma segunda figura. Igualmente negro era o tal “histórico” castelhano: em 1384, Juan I montara um poderosíssimo cerco terrestre e naval a Lisboa. O arraial foi comparado a uma cidade, com ruas de tendas até de artigos de luxo. Almada sofreu mais do que o humanamente possível e, no fim, capitulou. Lisboa aguentou-se além do expectável, graças à determinação dos defensores e dos habitantes em geral, mas mais ainda graças à magnífica muralha que Dom Fernando, tantas vezes apontado como o responsável por todas as desgraças que se abateram sobre o seu reino, mandara construir. É quase certo que, sem ela, Lisboa (e Portugal) teriam caído sob esse primeiro cerco. É verdade que a chegada da frota de naus e de galés do Porto dera aos lisboetas um poderoso reforço anímico, mas na prática o resultado foi nulo: Lisboa precisava de comida e de água, mais do que de combatentes, e estes chegados do Porto significavam mais bocas a alimentar. Com a rendição à vista e com ela o fim anunciado da independência portuguesa, foi uma erupção brutal de “peste” que derrotou os castelhanos. Nunca saberemos quantos combatentes morreram ao certo, mas a lista de fidalgos de topo que a doença vitimou é impressionante (Dona Beatriz chegou a ter uma ameaça de contágio).

Quando a vitória total estava à vista, os castelhanos retiraram com muitas baixas e, sobretudo, baixas irrecuperáveis em “homens de armas” experientes, ricos e prestigiados. Na primeira batalha formal entre a hoste de Nuno Álvares Pereira e uma força castelhana, o comandante português experimentou pela primeira vez em Portugal combater com os cavaleiros apeados (“a primeira vez que se pôs pé em terra”, dirá o cronista) e venceu. Não foi uma batalha decisiva, mas os portugueses viram como podiam triunfar sobre os castelhanos; e estes, já desfalcados de chefes militares de peso, perderam alguns mais.

Seguiu-se outro episódio negro para as cores de Castela. Uma tropa comandada por alguns fidalgos de valor decidiu invadir e saquear a Beira: entrou em Portugal e, enquanto quis, acumulou prisioneiros, gado e todo o tipo de riquezas a que conseguiu deitar a mão. Preparava-se para regressar a Castela, “gorda” do espólio e lenta, quando uma coligação de fidalgos da Beira (resolvidas as delicadas questões de precedência sobre quem manda em quem) decidiu sair-lhe ao caminho. Foi mais um recontro regional, típico das razias fronteiriças. Nuno Álvares Pereira e Dom João I nada tiveram que ver com o caso. Mas os portugueses infligiram uma humilhação aos castelhanos e recuperaram, com juros, tudo o que lhes fora roubado. E a sangria entre os comandantes castelhanos acentuou-se.

Juntemos a tudo isto duas notas: seria interessante saber mais sobre o ritmo e a eficácia do processo de recrutamento do exército castelhano. O reino era imenso e uma chamada às armas podia ser complicada, sobretudo se a causa não fosse popular. Sabemos que no início de Janeiro de 1385, em Talavera de la Reina, Juan I escreve à cidade de Múrcia a convocar um certo número de lanceiros e de besteiros desta cidade e a meter-lhes pressa. E que no final de Abril, na mesma localidade, o rei volta a escrever a Múrcia, quase a perder a paciência, porque os soldados que requisitara não tinham aparecido. Quatro meses. Não parece descabido imaginar que problemas semelhantes tenham ocorrido noutras paragens, atrasando a formação do exército invasor e corroendo a sua homogeneidade.

Por último, em Julho, chegaram a Portugal embarcações carregadas de combatentes ingleses, sobretudo arqueiros, mas também lanceiros, que dois embaixadores portugueses tinham sido autorizados a recrutar em Inglaterra, pelo rei Ricardo II, como mercenários – num total de seis a sete centenas. Chegaram ao Porto, a Setúbal e a Lisboa. A armada castelhana, em particular as galés, tentou quanto pôde impedir o desembarque: teve lugar uma pequena, mas dramática “batalha naval”, com semelhanças com a que ocorrera em 1384, quando a armada de socorro do Porto conseguiu chegar a Lisboa. Uma vez mais, com um final feliz para os ingleses, portanto para os portugueses, e uma derrota, sobretudo psicológica, para os castelhanos.

Tudo isto somado só podia causar danos ao moral das tropas invasoras, à sua capacidade logística e, sobretudo, ao seu comando, que chega a Aljubarrota quase decapitado.

Do lado português, passava-se o contrário: dois bons líderes militares, muito próximos entre si, embora nem sempre de acordo; um exército razoavelmente coeso e disciplinado, dentro das suas diversas componentes, muito reforçado pelo contingente dos ingleses que, não sendo numerosos, eram experientes e tacticamente bem treinados, como se veria. Os portugueses, sem podermos falar de patriotismo (este “sentimento” começaria aliás por esta altura a revelar incipientes sinais), sentiam que estavam a defender as suas terras, casas e famílias. Em Aljubarrota, combaterão encurralados – o que nenhum adversário deveria querer, segundo todos os tratadistas da guerra: não porque tivessem as costas contra um rio, um muro ou outro obstáculo que os impedisse de fugir, mas porque sabiam que, se perdessem, nada se interporia entre os castelhanos e Lisboa, e caída a capital, cairia a seguir o reino. Todos tinham essa consciência. Moralmente, o exército português estava em alta. Nos mais recentes recontros, cercos, batalhas, episódios navais, tinha saído sempre por cima. Perdera apenas Rui Pereira, que se sacrificara à frente da armada do Porto, atirando a sua nau contra os navios castelhanos para que as restantes naus e galés rompessem o bloqueio a Lisboa, perdera os capitães que escolheram o partido de Beatriz e Juan I em detrimento de uma “pátria” que não existia ou a lealdade a um rei cuja escolha fora controversa e sufragada por cortes irregulares do princípio ao fim.

Uns e outros, ao que iam?

Os castelhanos tinham investido muito no cerco a Lisboa, em 1384, com o desfecho trágico que vimos. Em 1385, Juan I pensou numa estratégia mais complexa, de ataques concêntricos lançados a partir de vários pontos, sem resultados que se vissem. Entre Abril, aguardando ainda contingentes que não tinham chegado, e a segunda semana de Julho, em que o grande exército entra em Portugal pelo “caminho das Beiras”, o objectivo estava definido: ataque à jugular – à capital do Reino, a Lisboa.

Com uma primeira paragem em Santarém, talvez a segunda cidade do país ao tempo (em concorrência directa com Évora) e segura pelos partidários de Dona Beatriz, seguir-se-ia um “passeio” até Lisboa, percorrendo as “terras das rainhas”, que há algum tempo se juntavam ao património com que a rainha de Portugal sustentava a sua casa: Alenquer, Óbidos e Torres Vedras por perto. Muito cedo chegaria a Lisboa e desta vez Juan I estaria preparado. A peste não poderia voltar a lutar do lado português. E a cidade, exangue do cerco anterior, não conseguiria oferecer uma resistência digna desse nome. Juan I estava bem informado. A estratégia era adequada.

Concentrados em Estremoz, Dom João I e o condestável Nuno Álvares Pereira deslocaram-se para a melhor posição do reino naquelas circunstâncias: Abrantes, controlando o Tejo, equidistante do mar e da fronteira com Castela. Tinham poucas opções: ou seguiam, a uma distância prudente, o exército castelhano, e chegados a Lisboa, logo se veria – era esta a posição de Dom João I; ou cortavam o passo aos castelhanos e, conscientes de que era uma daquelas decisões que os líderes evitavam a todo o custo até se encontrarem numa situação quase desesperada, davam batalha. Era essa a posição irredutível de Nuno Álvares e dos seus homens.

museu batalha aljubarrota

O centro de interpretação: a batalha estudada. A cerca de dez quilómetros de Aljubarrota, ergue-se, desde 2008, um dos mais interessantes centros interpretativos do país. Criado pela Fundação de Aljubarrota, com conteúdos resultantes das mais modernas investigações arqueológicas, antropológicas, militares e historiográficas, o CIBA oferece uma viagem interactiva aos eventos que conduziram à grande batalha de 1385. A estrela da exposição é um filme da Tejo Lda., com produção da Fundação Batalha de Aljubarrota, e conta com os actores Gonçalo Waddington (no papel de Nuno Álvares Pereira), Nuno Nunes (Dom João I), Ana Padrão (Leonor Teles) e Adriano Afonso (Fernão Lopes). Ao longo de 45 minutos, personagens essenciais da história portuguesa e castelhana do século XIV desfilam no ecrã e num livro interactivo, mostrando ao visitante as peripécias militares e as conspirações partidárias. A arquitectura do edifício ficou a cargo de Gonçalo Byrne e a visita ao CIBA pode ser articulada com uma visita à Capela de São Jorge (habitualmente encerrada) e ao local onde as equipas da Universidade de Coimbra estão actualmente a escavar.


O condestável era muito novo. Fora armado cavaleiro por Leonor Teles que, para o efeito, lhe oferecera uma pequena armadura de Dom Fernando enquanto jovem. Mas quem o visse nesse mês de Julho de 1385 diria estar perante um comandante militar experiente e corajoso – ou muito “ardido”, dizia-se ao tempo. Como muitos dos grandes génios militares, Nuno Álvares era pouco paciente e tinha centelhas de loucura. No conselho de guerra imediatamente antes da batalha de Aljubarrota, a intenção de Dom João I prevaleceu, mas o condestável não aceitou a derrota. No dia seguinte, acordou os seus homens muito cedo, assistiu à missa e foi ao encontro dos castelhanos. Muito contrariado, Dom João I percebeu que não tinha outra solução senão reunir-se a ele e travar batalha.
Assim perto de Leiria, aproximam-se e vão cruzar-se duas forças militares com objectivos distintos: os castelhanos (neste termo genérico, designa-se um exército em que abundavam portugueses, franceses e alguns gascões), que querem chegar depressa a Lisboa e conquistá-la, e que não têm interesse em se desgastarem em recontros pelo caminho. Se virem o exército português, contornam-no e seguem o seu caminho. Já este exército só quer interceptar o castelhano e enfrentá-lo numa batalha campal em regra. É importante não perder de vista esta diferença de objectivos.

Sucede que há pouco mais de 80 anos se vinham consolidando mudanças na “arte da guerra” ocidental. A impressionante cavalaria era invencível: uma carga de algumas centenas de cavaleiros com as lanças apontadas, bem seguras ao lado do corpo, cobertos de aço dos pés à cabeça, montados em cavalos fortes e resistentes, bem coordenados e começando a trote, encostados uns aos outros como uma muralha, para cair sobre os inimigos a galope. Uma carga dessas tinha um poder de choque incalculável, intimidava os mais valentes e, em princípio, levava tudo à sua frente, “rompendo”, era o termo, a vanguarda adversária. A história das primeiras cruzadas na Terra Santa está cheia de cargas assim. No fundo, era a tradução militar do férreo domínio social dos fidalgos e dos cavaleiros. Até ao dia...

Até ao dia em que, em Courtrai, no ano de 1302, uma força de infantaria flamenga, com um rio acorrer nas suas costas (e portanto, sem hipótese de retirar ou fugir), com as lanças fincadas no chão e apontadas ao adversário, mais algumas armas mortíferas usadas por peões, com o terreno à sua frente armadilhado, enfrentou de pé uma carga da arrogante cavalaria francesa e venceu. Doze anos depois, na célebre batalha de Banockburn, os escoceses receberam da mesma maneira a cavalaria inglesa e ganharam. A seu favor, introduziram um factor novo: os arqueiros, especialistas em disparar o long-bow (o arco longo galês): os projécteis não eram particularmente fortes, nem o alcance muito longo. Aumentava se os arcos fossem disparados para o ar. Mas depois de descreverem uma parábola, caíam a pique sobre os alvejados a uma velocidade que os tornava mortíferos. Estes arqueiros, bem treinados, conseguiam uma cadência de tiro quase inacreditável para nós hoje: João Gouveia Monteiro lembra que um bom arqueiro conseguia disparar a sua quarta flecha quando as três primeiras ainda voavam pelo ar.

O primeiro e decisivo factor desta nova forma de travar a guerra era a escolha do terreno, com rios, ribeiros ou outros obstáculos naturais, a proteger os flancos; depois, uma coesa vanguarda de infantaria, com boas protecções corporais e longas lanças ou piques arrimados ao chão e apontados ao peito dos cavalos inimigos; dos lados ou atrás, um corpo de arqueiros bem treinados e bem comandados, logo, bem sincronizados; por fim, o espaço livre em frente da infantaria, por onde desaguaria a torrente da carga dos cavaleiros, quase completamente semeado de armadilhas: longas cavas, covas-de-lobo, valas de água, paliçadas de troncos e ramos. A cavalaria podia não conseguir “romper” a vanguarda inimiga à primeira carga, e fazê-lo à segunda, terceira ou quarta. Mas era muito difícil isso suceder.

Com as valas e as armadilhas cobertas de homens e de montadas em agonia, retirar, reagrupar e voltar a atacar tornava-se impossível, até porque, falhada a primeira carga, os defensores redobravam de ânimo, faziam avançar as suas alas e os arqueiros e invertiam rapidamente o destino da batalha.

Quando chegamos a Aljubarrota, a cavalaria já não era o monstro que tinha sido. E os ingleses sabiam bem como fazer as coisas. Nuno Álvares não terá ficado à espera deles para aprender porque, como vimos, nos Atoleiros já combatera com os seus cavaleiros desmontados. E em Trancoso, a própria nobreza castelhana escolheu combater a pé (e perdeu).

Qual o verdadeiro golpe de génio táctico em Aljubarrota, pelo qual devemos sobretudo dar crédito ao condestável, embora os ingleses presentes tenham sem dúvida dado a sua contribuição – e todo o exército português em geral? Acompanhando hora a hora a deslocação dos castelhanos, numa linha serpenteante extensa (o pormenor vai ser importante), sabendo que estes não tinham interesse em lutar, mas sim em chegar o mais depressa possível a Lisboa, os portugueses tinham de criar uma armadilha credível: os invasores chegavam de nordeste. Dom João I aparecer-lhes-ia no caminho, ao cimo de um morro de peito aberto. Os castelhanos perderiam pouco tempo a observar os seus adversários, contornariam tranquilamente a elevação e seguiriam, imperturbáveis, para o seu objectivo: Lisboa. E foi exactamente isso o que se passou. Ao verem o movimento castelhano, os portugueses recuaram apressadamente e em desordem e, quando voltaram a dar a cara aos castelhanos, tudo mudara: estavam numa posição mais baixa e vulnerável, o oposto da que tinham escolhido. E aí os castelhanos, mais ou menos surpreendidos, e continuando sem dúvida a pensar em Lisboa, viram que tinham os portugueses onde os queriam e uma oportunidade única para aniquilar o exército real. Só que os portugueses sabiam mais: reconhecendo o terreno com o maior cuidado, escolheram um local elevado para provocar os castelhanos, aquilo a que se tem chamado a “1.R posição portuguesa”, e depois o sítio em que pretendiam verdadeiramente lutar: a “2.R posição”. Tinham de dar a impressão clara de que não estavam a contar que os castelhanos recusassem a batalha na primeira posição e que, ao verem Juan I ignorá-los e prosseguir a marcha, foram forçados a descer aos tropeções e a encolherem-se numa cota mais baixa, improvisada, o pior dos palcos para lutar contra um exército muito mais poderoso. E foi essa a impressão que deram.

Entretanto, passaram a noite a trabalhar, de pá e enxada, protegendo a “2.R posição”: centenas de covas-de-lobo troncocónicas, muitas com um espigão no meio, valas desencontradas, muitos obstáculos de troncos e ramos, desenhados para que a carga alargada da cavalaria se fosse estreitando até afunilar no contacto com a vanguarda portuguesa. Esta recebê-la-ia com as alas mais avançadas, alas essas formadas pelos arqueiros e lanceiros ingleses e pelos temíveis besteiros do conto portugueses, uma milícia concelhia com mais de cinco mil homens, bem treinados, cujas bestas disparavam virotões com uma mortífera capacidade de perfuração dos arneses e cotas de malha. Mais: o exército português tinha um ribeiro de cada lado, como protecção suplementar.

Mesmo assim, qualquer casa de apostas à época daria muito mais probabilidades de vitória ao exército castelhano, desde logo pela avassaladora superioridade numérica. Nessa “missão impossível” que é o cálculo do número de soldados numa batalha medieval, os números propostos por J. G. Monteiro parecem, até novas informações, sensatos e credíveis. Do lado português, e incluindo os ingleses, os combatentes andariam pelos 10.000; no princípio do século XV, o rei e o Conselho Régio estimaram que o reino podia, sem esforço exagerado, reunir dez a doze mil tropas, todos os contingentes somados (número notável, tendo em conta a dimensão geográfica e sobretudo demográfica do país). Mais duvidosa é a quantidade de adversários: tem-se aceitado um número cómodo, 30.000, mas que parece calculado por excesso.

A questão acaba por não ser importante: como já se disse, o exército castelhano deslocava-se numa coluna interminável. Seriam precisas muitas horas para se concentrar. Ora aquela mudança atabalhoada (ou assim parecia) da posição portuguesa ocorrera quase ao fim da tarde. Os castelhanos teriam pelo menos uma enorme vantagem: lutariam com o sol pelas costas. Mas tinham pouco tempo; não podiam ficar eternamente à espera do resto dos soldados. Prudente e debilitado, Juan I teria desaconselhado o combate (ou pelo menos foi o que explicou à cidade de Múrcia, na carta que lhe dirigiu a explicar a tragédia). Porém, numa atitude de alguma bravata, muitos dos seus comandantes, começando pela cavalaria francesa e por vários nobres portugueses, teriam respondido que era uma vergonha recusar aquele combate e que uma boa velha carga de cavalaria faria em estilhas aquele grupo miserável e mal armado que os olhava, encandeado pelo sol, numa posição indefensável.

Sabemos o resto: a carga de cavalaria desceu em fúria contra a vanguarda portuguesa, apenas para ser ceifada pelas covas-de-lobo, pelos obstáculos, pelas valas, para ir estreitando a frente até ao contacto com os portugueses. Apesar de o poder de choque estar muito diminuído, ainda conseguiu entrar pelas defesas portuguesas, mantendo o resultado da batalha em aberto. O socorro da retaguarda portuguesa, comandada pelo rei Dom João I (que se viu desmontado e em perigo de vida) e a intervenção decidida das aulas e dos arqueiros fecharam muitos dos cavaleiros que tinham conseguido “romper” num abraço mortal. Centenas de cavaleiros franceses, feitos prisioneiros, foram executados no local: não havia possibilidade para “preitesias” ou futuras negociações de resgate.

O crepúsculo da cavalaria?
Passemos ao lado de pequenos episódios e escaramuças dentro da batalha: depois destes primeiros desenvolvimentos, depressa se percebeu que os ventos da fortuna tinham mudado. Entre os “davides” gritou-se “Já fogem!” e os “golias” levaram o brado a sério e fugiram mesmo, numa debandada sem controlo. Centenas ou milhares de castelhanos seriam mortos por populares nos campos à volta de São Jorge quando se tentavam salvar.

As baixas portuguesas foram reduzidíssimas, as castelhanas brutais, como de resto aconteceu com alguma frequência em combates com esta morfologia. Juan I, Beatriz e os demais sobreviventes retiraram para Castela assim que possível. A nova dinastia de Avis, mal fundada nas Cortes de Coimbra de Abril de 1385, ganhava uma legitimidade europeia no campo de São Jorge, embora vertendo sangue cristão, estigma que Dom João I nunca esqueceria. Nuno Álvares Pereira daria o golpe de misericórdia nas ténues esperanças castelhanas, ao invadir Castela perto de Valverde, naquilo que parecia uma aventura irresponsável condenada ao desastre, mas que hoje, de acordo com um trabalho recente, nos aparece como uma iniciativa militar bem pensada e executada para acabar com os últimos comandantes e contingentes militares castelhanos capazes de constituírem uma ameaça para a independência de Portugal. Juan I faleceria pouco depois.

Não sabemos se alguns castelhanos perceberam a posteriori o que lhes tinha acontecido. Mas a história da batalha real no campo de São Jorge poderia bem ser plasmada num manual de como vencer uma batalha campal em circunstâncias à partida desfavoráveis. Não se perca por isso uma visita a Aljubarrota, ao magnífico Centro Interpretativo e aos restos das sucessivas campanhas arqueológicas, que a indesculpável abertura do leito da Estrada Nacional 1 não destruiu.

capela do fundador

Um projecto notável: as cores da Capela do Fundador. A Capela do Fundador, no Mosteiro da Batalha, surge agora com múltiplas cores no ecrã, contrastando com a visão da pedra desnudada. Um dos resultados finais do projecto de estudo da cor neste monumento, Policromia Monumental, é um modelo tridimensional de toda a sala, mostrando o papel que a cor desempenhou originalmente. A equipa do Laboratório HERCULES, da Universidade de Évora, em parceria com a spin-off THEIA, realizou um levantamento 3D recorrendo, em simultâneo, a um varrimento laser e captura fotogramétrica, feita a partir de cerca de 800 fotografias. A combinação das duas técnicas resultou num modelo com 400 milhões de polígonos. A reconstituição das pinturas em formato virtual, o grande objectivo do trabalho, ocupou uma equipa de quatro técnicos e foi feita através de vários programas informáticos de pintura, utilizando técnicas que se traduzem num grau de realismo superior aos métodos tradicionais. Por fim, os diversos modelos foram agrupados num software de motor de jogo, o que agilizou o método de processamento da informação. Foram produzidos diversos vídeos e imagens que permitem visualizar agora, centenas de anos depois, quão coloridos terão sido a capela e o túmulo de Dom João I.

domingo, 4 de junho de 2023

TAP “…nas mãos duma comissão de finalistas.”

A desresponsabilização tornou-se uma forma de manter o poder.
Seja na TAP, em que ninguém sabia das circunstâncias de saída de Alexandra Reis, ou se sabia apenas sabia informalmente, seja também no Governo, ninguém sabe quem chamou o SIS, ou sabendo sabe que não pode saber ou, parafraseando o PM, estamos a fazer um mistério de uma coisa que não tem mistério: chamar o SIS seria grave se Portugal tivesse um Governo.
Não é acaso estarmos nas mãos duma comissão de finalistas. De ciclo político, obviamente.

Bernardo Blanco, deputado da IL: “Quem é que lhe disse para contactar o SIS?”
João Galamba, ministro das Infraestruturas: “O gabinete do primeiro-ministro”,” O secretário de Estado Adjunto Mendonça Mendes”.
António Costa, primeiro-ministro: “Ninguém deu instruções ao SIS. Já toda a gente sabe a história. Eu não percebo porque querem fazer mistérios de coisas que não têm mistério”.

Uma nova divisão separa os portugueses. Não, não é a riqueza. Ou de certa forma é, se por riqueza se entender o ter direito à irresponsabilidade. Uns de nós, a esmagadora maioria vê quotidianamente crescer a lista daquilo que tem de se lembrar e cumprir, já outros quando confrontados com as suas decisões (ou falta delas) declaram, como fez esta semana o secretário de Estado das Finanças, a propósito dos 55 milhões pagos a David Neeleman, “Não consigo elucidar“. (Se o secretário de Estado das Finanças então em funções não consegue elucidar quem conseguirá?)

Só na semana que agora acabou passámos a ter de nos lembrar que já começou mais uma greve por trinta dias da CP (sim, caro leitor, a CP chegou a acordo com 14 dos seus sindicatos mas não com o Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante – SFRCI, logo vamos ter nova greve e quando o SFRCI tiver assinado um acordo de imediato os outros catorze sindicatos voltarão à luta). Também ficamos a saber que temos de salvar o planeta e, por isso, não só a PSP esclarece que não vale a pena apresentar queixa contra quem esvazia os pneus dos carros alheios, como temos de pagar mais uma taxinha por usar sacos de plástico quando compramos legumes frescos (oferecem-se alvíssaras a quem conseguir transportar ervilhas descascadas nos saquinhos de rede alegadamente amigos do ambiente e, já agora, também uns carapauzinhos frescos!) Também não podemos esquecer que não devemos usar indevidamente as urgências hospitalares e consequentemente temos de nos lembrar de despertar de madrugada para ir para a fila do centro de saúde… A nossa vida é um rol crescente do que somos obrigados a lembrar: impostos a pagar, declarações a preencher e licenças a obter. Simultaneamente, ministros, CEO, CFO, COO e secretários de Estado desfilam diante de nós, a propósito da TAP, declarando nada saberem, não se lembrarem ou ambas as coisas. E, como se isso fosse pouco, consideram ainda que a ignorância ou a amnésia são sinónimas de desresponsabilização.

Primeiro era Pedro Nuno Santos que não se lembrava de ter aprovado a indemnização a Alexandra Reis, depois lembrou-se e miraculosamente lembrou-se não só ele mas também aquele que fora seu secretário de Estado, Hugo Mendes, que consequentemente teve corrigir o depoimento que dera à IGF.

Já Miguel Cruz, secretário de Estado do Tesouro, que teve a tutela financeira da TAP e que estava no cargo quando a ex-administradora Alexandra Reis saiu da companhia, declarou que desconhecia o acordo com Alexandra Reis, as divergências entre esta e Christine Ourmière-Widener e, por fim mas não por último, as objecções que o Ministério das Infraestruturas colocava ao contacto directo entre a TAP e o Ministério das Finanças ou qualquer outro.

Se do lado do Governo o esquecimento e a ignorância causam dúvidas, do lado dos altos responsáveis pela TAP já nada surpreende: “Não conhecia, não participei, não negociei e não elaborei o acordo de Alexandra Reis” – declarou Gonçalo Pires, administrador financeiro da TAP, ou, como se tornou moda dizer, CFO da companhia aérea. O mais espantoso nem é que Gonçalo Pires não soubesse, é que não tenha achado isso estranho! Já o Inspetor-Geral de Finanças, António Ferreira dos Santos, não sabe se o administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, teve conhecimento ou não do montante pago a Alexandra Reis mas ficou-se pela ignorância. Nesta sucessão de explicações improváveis, a minha preferência vai para o ex-administrador financeiro da TAP, João Weber Gameiro, que não sabe explicar porque a comissão executiva da companhia teve de aprovar um contrato no valor de 625 mil euros para a compra de copos de papel enquanto a indemnização de meio milhão de euros a Alexandra Reis não foi à mesma comissão… Mas agora tudo isto já é passado porque outros esquecimentos maiores se sobrepuseram: o ministro João Galamba às vezes lembra-se, outras esquece-se sobre com quais membros do Governo falou e sobre o que falou na noite em que seu assessor foi trancado no ministério. A sua chefe de gabinete não se lembra de quem veio a ordem para fechar Frederico Pinheiro no ministério mas assume ter sido ela a chamar o SIS, o que já é uma lembrança em segunda mão pois inicialmente o ministro João Galamba declarou ter sido ele a articular com a sua chefe de gabinete a chamada para o SIS e não ter sido ela a chamar por iniciativa própria o SIS. O ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, diz que não pode dizer o que lhe disse Galamba naquela noite porque “o que se passou está nos autos e está, portanto, no Ministério Público” . À procura do seu lugar neste universo de desresponsabilização anda agora o secretário de Estado António Mendonça Mendes. E, sejamos honestos, porque não há-de o senhor secretário de Estado adjunto ter direito ao seu esquecimentozinho?

A desresponsabilização tornou-se uma forma de manter o poder. Seja na TAP, em que ninguém sabia das circunstâncias de saída de Alexandra Reis, ou se sabia apenas sabia informalmente, seja também no Governo, ninguém sabe quem chamou o SIS, ou sabendo sabe que não pode saber ou, parafraseando o PM, estamos a fazer um mistério de uma coisa que não tem mistério: chamar o SIS seria grave se Portugal tivesse um Governo. Não é o acaso estamos nas mãos duma comissão de finalistas. De ciclo político, obviamente.

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Estado Novo Ascensão e queda de Marcello Caetano (e do regime)

O último equívoco sobre o salazarismo foi criado pelo “marcelismo”, entre 1968 e 1974. Marcello Caetano era um dos mais antigos colaboradores de Salazar. Entre 1955 e 1958, enquanto ministro da Presidência, foi o seu número dois. Mas, em privado, não escondia as maiores dúvidas acerca da demora de Salazar em “institucionalizar o Estado Novo”, isto é, em fazer do regime algo mais do que um estado de emergência, em que “as leis nada valem, a tudo se sobrepondo o arbítrio dos governantes”.
Depois da sua saída do governo, em 1958, muitos salazaristas passaram a ver Marcello Caetano como uma espécie de chefe da “oposição interna”. Em 1961, constou que os altos comandos militares haviam pensado em Marcello para chefe de governo. Em Outubro de 1962, durante uma reunião do chamado Conselho Ultramarino, correram umas folhas dactilografadas em papel timbrado de Marcello Caetano que deu azo ao rumor de que admitia uma “federação” para resolver o problema ultramarino. Para os defensores da “integridade da pátria”, era uma heresia. Por isso, Salazar viu-se adoptado como herói por uma “direita nacionalista” que então, tal como em França, fez da manutenção do ultramar a sua última causa. Ao mesmo tempo, Marcello começou a suscitar as maiores expectativas “liberais”.
Salazar, no entanto, nunca recusou reformas. Em 1961-1962, deu início a um processo de “descolonização”, apoiando o ministro do Ultramar Adriano Moreira na abolição dos aspectos mais brutais do colonialismo, como o Estatuto dos Indígenas, o Código de Trabalho Rural e as “culturas obrigatórias”. Mesmo a opção de defesa do ultramar nunca esteve acima de reconsideração. Quando Franco Nogueira, em 1962, lhe disse que só ele, Salazar, estava em condições de fazer uma “viragem” da política ultramarina, como o general De Gaulle no caso da Argélia francesa, Salazar reconheceu implicitamente que sim. É verdade que acrescentou logo que ele próprio não a faria. Mas admitiu que outro a fizesse: “Terá é de cavar o seu crédito político como eu o fiz”.
Salazar não queria facilitar a vida a quem tencionasse disputar-lhe o lugar. No entanto, não lhe escapava a vantagem de mudar. Na sua última remodelação ministerial, no Verão de 1968, fez um governo de notórios “marcelistas”. Os comunistas chamaram depois ao marcelismo “o salazarismo sem Salazar”. Teria sido mais correcto dizer que o salazarismo, nos seus últimos meses, é que tinha sido o “marcelismo sem Marcello”. Estaria Salazar a preparar alguma “evolução”? Franco Nogueira ficou a desconfiar que sim. Esta impressão nunca se tornou geral porque, depois de 1968, os críticos do novo Presidente do Conselho, para melhor o denegrirem, tenderam a contrastá-lo com Salazar: para fazerem Marcello parecer hesitante e contraditório, inventaram um Salazar inabalável e inflexível, isto é, completamente mítico.
Quando Marcello Caetano sucedeu a Salazar, estava-se no ano da revolta estudantil de Paris e da Primavera de Praga. Devido às reservas e resistências da elite salazarista, a começar pelo presidente da república, Marcello convenceu-se sinceramente que tinha sido levado ao poder “por uma onda irreprimível e irresistível de opinião”. Não sentiu por isso que vinha administrar a agonia do salazarismo, mas começar algo de novo. E de facto, provou que em Portugal a ditadura mantinha a iniciativa.
Saiu à rua e iniciou umas célebres “conversas em família” na RTP. Deu às mulheres os mesmos direitos políticos dos homens. Propôs-se refundar o regime como “Estado social” – uma expressão que em Portugal começou a ser usada por ele. Em 1960, havia 56 mil pensionistas; em 1974, 701 mil. Com o ministro Baltasar Rebelo de Sousa implantou a rede de trezentos centros de saúde que seria depois a base real do Serviço Nacional de Saúde de 1978. Com o ministro Veiga Simão, começou a “democratizar o ensino” (foi esta a expressão oficialmente usada): os alunos matriculados no 5º e 6º anos triplicaram.
Nunca, porém, lhe ocorreu dar às oposições de esquerda a possibilidade de disputar o poder em pé de igualdade. Aquilo que o preocupou foi outra coisa: recuperar gente que estava de fora ou mesmo contra o regime. O ponto é que quase todos aceitaram falar com ele ou com os seus emissários. Marcello renovou assim a classe política: 65% dos deputados eleitos em 1969 eram estreantes. É verdade que este êxito veio à custa de equívocos. No caso da “ala liberal” da Assembleia Nacional, Marcello julgou que o vinham apoiar, e os “liberais” convenceram-se que ele iria fazer o que eles queriam – a democratização do regime. Mas o salazarismo não fora menos equívoco.
O que é que correu mal? Porque é que ditadura salazarista conseguiu organizar uma sucessão interna em 1968, mas já não conseguiu, ao contrário do franquismo em Espanha em 1976-1977, enquadrar uma transição democrática? Valerá a pena lembrar que Marcello Caetano nunca foi completamente claro a propósito da democracia pluralista. Frequentemente se lhe referiu com menosprezo, como uma forma desadequada aos tempos. Mas acima de tudo, no seu Depoimento, de 1974, Marcello queixou-se da guerra em África. Salazar ter-lhe-ia deixado a “mais difícil herança da História de Portugal”.
Mesmo aqui, porém, Marcello encontrara espaço de manobra. Salazar conseguira manter a guerra barata e rotineira, com uma justificação simples: a defesa do território pátrio. O que aconteceu é que Marcello não acreditou na viabilidade de um esforço militar indefinido. Projectou uma “autonomia progressiva”, consentiu contactos com as guerrilhas e terá mesmo previsto opções mais dramáticas (a independência de Angola).
O problema não terá estado aí, mas na necessidade de ficar em posição de força para conduzir o processo. Isso levou-o a procurar golpes decisivos no terreno. Foi aí que perdeu o controle da situação. Marcello deixou a guerra evoluir para uma sucessão de grandes operações, dirigida por comandantes com poderes inéditos, como os generais Spínola na Guiné, Kaúlza de Arriaga em Moçambique e Costa Gomes em Angola. Mas ao suscitar a possibilidade de um fim próximo da guerra, acabou por a tornar insuportável. Pior: pela primeira vez desde a I Guerra Mundial, Portugal tinha comandantes militares carismáticos, cheios de aspirações políticas. Em 1972, Spínola e Kaúlza estavam ansiosos por suceder a Tomás na presidência da república. Na Guiné, os colaboradores de Spínola já o viam como “o nosso De Gaulle”. Frustrados, os De Gaulles começaram a conspirar, dando cobertura à insubordinação dos oficiais mais jovens.
A ditadura salazarista terminou assim num fracasso sem retorno. Depois de 1910, continuou a haver monárquicos e depois de 1926, republicanos. Mas nenhum movimento político reivindicou, desde 1974, as ideias de Salazar. Nunca houve em Portugal o equivalente do Movimento Social Italiano de Giorgio Almirante, ou da Fuerza Nueva de Blas Piñar, em Espanha. A presença do salazarismo passou a depender de uma extrema-esquerda que nunca abandonou o velho costume soviético de tratar como “fascistas” todos os que não são comunistas. Em 2007, a vitória de Salazar num concurso televisivo foi mais um sinal de iconoclastia do que de saudosismo. Valem-lhe os antifascistas para o conservar ameaçadoramente “vivo”. Terá ele imaginado este fiasco final? Nos seus últimos anos de vida, entre 1968 e 1970, não lhe disseram que fora substituído no governo. Mas, como notou Adriano Moreira, ele também nunca perguntou.

terça-feira, 30 de maio de 2023

Estado Novo A “vantagem” política da guerra do Ultramar

Geralmente, aceita-se que o Estado Novo correspondeu ao ar do tempo na década de 1930 e no começo da década de 1940, durante a II Guerra Mundial. O clímax dessa adequação política e estética teria estado na exposição e congressos do “Mundo Português” de 1940. A partir de 1945, porém, tudo teria mudado. Os vinte e três anos que Salazar governou após 1945 teriam sido uma descida. O seu biógrafo oficial e ministro dos Negócios Estrangeiros, Alberto Franco Nogueira, fala de “resistência”. Salazar teria apenas “aguentado”, isto é, adiado um fim pré-determinado.
Desde a vitória dos Aliados na II Guerra Mundial, a esquerda mostrou-se inconformada na oposição. Depois da morte de Carmona em 1951, os comandos das forças armadas envolveram-se outra vez nas intrigas do regime. A partir de 1958, passou a haver oposição significativa à ditadura entre correntes de opinião outrora fiéis, como os monárquicos e os católicos. No país, a transformação económica e social de que o regime precisou para se legitimar fez ao mesmo tempo desaparecer a velha sociedade rural, onde era possível confiar na Igreja Católica para disciplinar o povo e no comunismo para assustar a classe média.
O Concílio Vaticano II (1962-1965) desautorizou o clero mais conservador. Uma população escolar em expansão (o número de estudantes universitários duplicou então) protagonizou uma ruptura geracional de valores.
Na década de 1960, 75% da população já tinha nascido depois da subida de Salazar ao poder. A comparação que para as novas gerações fazia sentido não era com os regimes portugueses anteriores, mas com outros regimes europeus – pouco lhes interessava que todos os números de desenvolvimento fossem muito melhores do que os de 1926, como de facto eram; o que lhes importava é que ainda não eram tão bons como os da França ou da Alemanha ocidental. O crescimento da inflação, depois de 1965, prenunciou desequilíbrios.
Mas na década de 1960, no meio de um mundo em mudança, Salazar soube fazer a ditadura enquadrar dois projectos capazes de suscitar adesão: um foi o do desenvolvimento do país, demonstrado pelas taxas de crescimento económico mais altas da sua história e pela expansão também sem precedentes de instituições de inclusão e promoção, como a Segurança Social, os cuidados de saúde e a escola; o outro foi a opção de manter a administração portuguesa em África, quando as outras potências europeias retiravam. O homem creditado com ter poupado o país à II Guerra Mundial envolveu-o depois de 1961 no maior esforço militar de uma nação ocidental desde 1945.
A “defesa do Ultramar” foi a razão que frequentemente Salazar deu em privado e em público para se manter no poder durante os anos 1960. Foi também a razão depois dada para cancelar a perspectiva de uma “normalização” do regime à maneira ocidental. Justificou, por exemplo, as restrições à vida pública, como a censura à imprensa. Por outro lado, congelou a política.
Em Abril de 1961, Salazar pôde usar o “Angola, rapidamente e em força” para pôr termo às intrigas na elite do regime. A oposição dividiu-se. Os republicanos estavam tão ou mais ligados ao Ultramar do que os salazaristas. O chefe da oposição em 1949 tinha sido o general Norton de Matos, o grande herói da colonização de África no século XX. Provavelmente, se a oposição tivesse ganho em 1945, talvez também tivesse havido uma guerra para defesa de Angola em 196.
Muitos republicanos fizeram questão, pela primeira vez em trinta e cinco anos, de aplaudir o regime. Mesmo aqueles que não aplaudiram deixaram de ter a mesma pressa em derrubar Salazar. Álvaro Cunhal notou que havia na oposição quem não desejasse ir para o poder antes de o Ultramar ter sido perdido. Ninguém queria ficar com essa responsabilidade. Por isso, a defesa do Ultramar funcionou, em meados da década de 1960, como o seguro de vida do salazarismo.
A ditadura salazarista explorou então uma mística histórica, assente na presumida actualidade da expansão ultramarina, o que levou Eduardo Lourenço a admitir que “o Portugal de Salazar foi o último que se assumiu e viveu como um destino”. Mas há aqui um velho equívoco. Salazar nunca se viu a si próprio como um sobrevivente do velho Portugal conquistador, resistindo aos “ventos da história” contra toda a lógica e interesses. Como explicou a Franco Nogueira, a defesa do Ultramar não era uma questão de “fé”, mas de conveniências e de vantagens. A resistência em África era possível, porque os independentistas nunca tiveram força para sujeitar os portugueses a uma guerra equivalente à da Argélia ou do Vietname, e porque a pressão diplomática também nunca foi decisiva.
Finalmente, a prosperidade de Angola e de Moçambique, que atraiu milhares de portugueses, pareceu justificar a sua defesa. Na metrópole, o crescimento económico suscitado pela integração na EFTA (1959) e pelo turismo viabilizou o esforço militar. Mesmo assim, Salazar não sabia quanto tempo podiam durar: “quando encontrarmos um obstáculo intransponível, então reconsideraremos”. Mas “isto é só para nós. Para a opinião pública, para o país, só temos certezas e confiança”. A sua inflexibilidade nunca foi mais do que um mito que lhe conveio criar.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Estado Novo 25 de Abril: pela democracia ou pela paz?

A revolução de 25 de Abril de 1974 pôs termo a uma velha ditadura, precisamente quando começava a chamada “grande inflação” dos anos 1970, depois da crise do petróleo de 1973. Mas as principais motivações do golpe não tiveram que ver com a natureza ditatorial do governo de Portugal ou com a subida dos preços do petróleo, mas com os problemas decorrentes da natureza do estado português enquanto agregação de territórios em vários continentes.
Desde a década de 1950 que tanto os EUA como a União Soviética contestavam os impérios adquiridos em África e na Ásia pelos estados da Europa ocidental. Ao contrário de outros impérios coloniais, como a própria União Soviética ou a China comunista, os impérios ocidentais eram facilmente reconhecíveis por serem territorialmente descontínuos: eram, em geral, ultramarinos. O “ultramar português” estava nesse caso.
A 15 de Dezembro de 1960, a assembleia geral das Nações Unidas aprovou, por 68 votos a favor, 6 contra e 17 abstenções (entre elas a dos EUA), a resolução 1542 que definia como “territórios não-autónomos” todos os territórios ultramarinos portugueses. O governo português, que entrara na ONU em 1955, protestou que tinha sido violada a Carta da organização, a qual estipulava que cabia a cada Estado membro declarar quais dos seus territórios se poderiam classificar como não-autónomos. Poucos meses depois, vários partidos independentistas clandestinos, com base no estrangeiro, iniciavam uma sublevação armada no norte de Angola.
Em 1974, a guerra contra os partidos separatistas armados no ultramar durava havia treze anos. Em 1973, cerca de noventa mil jovens oriundos da metrópole cumpriam serviço militar em África – o equivalente a um por cento da população metropolitana. Não admira que, em 1973, uma sondagem à opinião revelasse que, quando perguntados acerca de qual era “o objectivo político mais importante para os próximos anos”, 53% dos portugueses inquiridos tivessem respondido “que haja paz”, e apenas 3,7% “que exista democracia”. É pela guerra em África que precisa começar quem quiser perceber o golpe de 25 de Abril de 1974.
As culpas da guerra
As campanhas portuguesas em África entre 1961 e 1974 representaram o maior esforço militar alguma vez feito por um país europeu depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Cerca de oitocentos mil portugueses europeus prestaram serviço militar no ultramar. Perto de seis mil morreram lá, cerca de três mil dos quais em combate. Ao seu lado, estiveram milhares de africanos, então portugueses.
Em 1974, quase metade dos cerca de 150 mil homens do exército português em África eram recrutas locais. Sobre tudo isto, há décadas que em Portugal se repetem ideias feitas como se fossem orações. Para uns, tudo não teria passado de um capricho suicida, arbitrariamente imposto aos portugueses pelo delírio imperial de um ditador. Para outros, tratou-se da malograda defesa de um idílio tropical, contra a intromissão subversiva de potência estrangeiras. É tempo de mudar os termos do debate.
Foi a guerra o simples resultado da natureza do regime político português em 1961, ou da idiossincrasia do seu chefe? Não. Nenhum governo português poderia ter feito outra coisa em Março de 1961 senão enviar tropas para proteger as populações ameaçadas de limpeza étnica no noroeste de Angola. Quando o corpo expedicionário chegou a Angola, os seguidores do partido armado clandestino chamado União dos Povos de Angola tinham chacinado milhares de pessoas, entre as quais cerca de mil brancos, naquele que foi o maior massacre de civis europeus em África no século XX.
Não se tratou de um excesso acidental. Os chefes da UPA eram amigos de Frantz Fanon. Fanon, uma das coqueluches da esquerda revolucionária mundial, recomendava a violência contra os “colonos” como forma de resolver o problema do “colonialismo”: segundo disse num dos seus momentos mais líricos, “para o colonizado, a vida só pode surgir do cadáver em decomposição do colono”.
É fácil atribuir todas as culpas à “colonização” portuguesa. Mas não era possível, em 1961, apagar a história dos séculos anteriores. Dever-se-ia ter negociado com os discípulos de Fanon, para os demover do recurso à violência? Tem-se falado muito da suposta intransigência de Salazar, mas pouco da dos independentistas. Nunca quiseram negociar com o governo português a não ser a data da transferência do poder. Como se viu em 1974-1975, jamais lhes passou pela cabeça disputarem eleições. Ao contrário do que insinuava a propaganda salazarista, nem todos eram comunistas. Mas nenhum deles era um simples independentista. Quase sem excepções, eram revolucionários. Tinham sido educados no Ocidente ou segundo processos ocidentais, e todos eles aderiram a uma espécie de teoria da substituição, encarando os novos Estados independentes da África e da Ásia como os sucessores dos Estados europeus, agora supostamente em decadência, na missão de redimir o mundo.
As independências faziam sentido, para eles, como a oportunidade de fazer um “homem novo”. Neste quadro, a guerra não lhes repugnava. Concebiam a guerra segundo a doutrina do movimento comunista internacional, não como a procura de decisões no campo de batalha, mas como uma “guerra prolongada”, de socialização política das populações. Era através da “luta” que esperavam “forjar a nova nação”.
Além disso, o recurso à violência tinha vantagens políticas óbvias, a partir do momento em que começara a ser admitido como uma fonte de legitimidade política. Foi graças à guerra que os chefes independentistas, nunca eleitos por ninguém, obtiveram da Organização da Unidade Africana (em 1964-1965) e da Organização das Nações Unidas (em 1972) o reconhecimento do estatuto oficial de “representantes legítimos” da população. Assim, nunca teria sido fácil demovê-los da “luta armada”. A não ser que se lhes tivesse oferecido logo todo o poder, como acabaria por acontecer em 1974.
Rui Ramos, Observador