Não sei o que aconteceu ao
Regulamento de Disciplina Militar, aos Tribunais Militares e a outros produtos
que, de uma forma ou outra, vigoraram em Portugal até à III República. Presumo
que tudo tenha sido revisto, que os militares, como todos nós, tenham ganho em
cidadania e em benefícios do “Estado Social”. Como presumo que, como todos nós,
no caso dos benefícios, estejam a perder.
Na questão da cidadania
parece-me haver algumas confusões.
Quando se vê a tropa
reunida em “associações” que, evidentemente, são sindicatos como quaisquer
outros, tão reivindicativos e tão politicamente manobristas como os demais,
parece evidente que qualquer coisa está mal.
Quando ouvimos o topo da
hierarquia militar dizer, com evidente, demagógica e politiquíssima intenção,
que os militares têm alma, família, etc., parece evidente que qualquer coisa
está muito, muito mal.
E quando o mesmo senhor
vem, de forma sibilina e ameaçadora, dizer que os militares não são
“submissos”, então já não há palavras que cheguem.
Nem nos tempos da II
República se pedia aos militares que fossem “submissos”! Exigia-se-lhes
obediência hierárquica, que nada tem a ver com submissão. Vir, aqui e agora,
sublinhar o conceito, tem, como é evidente, a intenção de justificar a
insubmissão dos militares, ou seja, uma coisa a que, militarmente, se chamava,
e pode ser que ainda se chame, “insubordinação”.
O resultado está à vista.
Os militares passaram a ter os mesmos limites dos cidadãos comuns. Por isso
querem, por bem ou por mal, proceder como eles. Mas, se ser como eles
significar partilhar com eles os sacrifícios, então já são diferentes. É a
“condição militar”, coisa óptima para ter certas vantagens, mas improcedente
quando se tratar do contrário.
Pior do que o espectáculo
das reuniões reivindicativas, das manifestações de rua, da diária presença dos
amotinados na televisão pública, é o olhar benevolente como são toleradas, e
até incentivadas, pela hierarquia. Ao mesmo tempo que o cidadão comum se
prepara para ver reduzidas as mais diversas protecções estatais, saúde,
educação, reforma, desemprego, etc., vê também o orçamento militar ser não
pouco aumentado. Talvez seja explicável, talvez seja indispensável, talvez seja
justo, sério e inevitável. Mas é muito difícil de “engolir”. E, pelos vistos,
não tem efeitos "sociais".
Certas classes sociais e
profissionais não podem, ou não deviam poder, ter estatuto igual aos do cidadão
comum. Assim o escolheram, assim o aceitaram. Estão neste número os militares e
os magistrados. Uns e outros, desde sempre, constituiram elites que se
prestigiavam, pela função, é certo, mas muito mais pela forma como entendiam e
exerciam tal função.
Hoje, são tão elites como
os estivadores – fascistas e comunistas, a mesma luta! – os maquinistas da CP,
os privilegiados da Carris e tantas outras classes, tão impantes de “direitos”
e de exigências quanto indiferentes aos problemas dos demais.
Talvez este problema seja
tão grave como os da crise. Terá solução?