domingo, 28 de outubro de 2012

ELITES

por António Borges de Carvalho no Irritado
Não sei o que aconteceu ao Regulamento de Disciplina Militar, aos Tribunais Militares e a outros produtos que, de uma forma ou outra, vigoraram em Portugal até à III República. Presumo que tudo tenha sido revisto, que os militares, como todos nós, tenham ganho em cidadania e em benefícios do “Estado Social”. Como presumo que, como todos nós, no caso dos benefícios, estejam a perder.

Na questão da cidadania parece-me haver algumas confusões.

Quando se vê a tropa reunida em “associações” que, evidentemente, são sindicatos como quaisquer outros, tão reivindicativos e tão politicamente manobristas como os demais, parece evidente que qualquer coisa está mal.

Quando ouvimos o topo da hierarquia militar dizer, com evidente, demagógica e politiquíssima intenção, que os militares têm alma, família, etc., parece evidente que qualquer coisa está muito, muito mal.

E quando o mesmo senhor vem, de forma sibilina e ameaçadora, dizer que os militares não são “submissos”, então já não há palavras que cheguem.

Nem nos tempos da II República se pedia aos militares que fossem “submissos”! Exigia-se-lhes obediência hierárquica, que nada tem a ver com submissão. Vir, aqui e agora, sublinhar o conceito, tem, como é evidente, a intenção de justificar a insubmissão dos militares, ou seja, uma coisa a que, militarmente, se chamava, e pode ser que ainda se chame, “insubordinação”.

O resultado está à vista. Os militares passaram a ter os mesmos limites dos cidadãos comuns. Por isso querem, por bem ou por mal, proceder como eles. Mas, se ser como eles significar partilhar com eles os sacrifícios, então já são diferentes. É a “condição militar”, coisa óptima para ter certas vantagens, mas improcedente quando se tratar do contrário.

Pior do que o espectáculo das reuniões reivindicativas, das manifestações de rua, da diária presença dos amotinados na televisão pública, é o olhar benevolente como são toleradas, e até incentivadas, pela hierarquia. Ao mesmo tempo que o cidadão comum se prepara para ver reduzidas as mais diversas protecções estatais, saúde, educação, reforma, desemprego, etc., vê também o orçamento militar ser não pouco aumentado. Talvez seja explicável, talvez seja indispensável, talvez seja justo, sério e inevitável. Mas é muito difícil de “engolir”. E, pelos vistos, não tem efeitos "sociais".

Certas classes sociais e profissionais não podem, ou não deviam poder, ter estatuto igual aos do cidadão comum. Assim o escolheram, assim o aceitaram. Estão neste número os militares e os magistrados. Uns e outros, desde sempre, constituiram elites que se prestigiavam, pela função, é certo, mas muito mais pela forma como entendiam e exerciam tal função.

Hoje, são tão elites como os estivadores – fascistas e comunistas, a mesma luta! – os maquinistas da CP, os privilegiados da Carris e tantas outras classes, tão impantes de “direitos” e de exigências quanto indiferentes aos problemas dos demais.

Talvez este problema seja tão grave como os da crise. Terá solução?