Aparentemente Portugal e a Catalunha
estiveram lado a lado em 1640. Mas há que ter cuidado com as aparências: nem
Portugal era um principado nem a Catalunha um estado.
“Portugal se levantou sem
dinheiro, sem armas, sem munições, sem artilharia, sem gente e sem capitães
para disporem; e elegeu para rei a um homem parvo, mau e traidor por natureza.
Veja Vossa Excelência agora como poderá ter isto um bom fim.” – escreve a seu
pai, a 12 de Fevereiro de 1641, dom Pedro de Mascarenhas, um dos nobres que se
mantém fiel a Filipe III. Dias antes, a 7 de Fevereiro de 1641, dom Pedro de
Mascarenhas fora um dos seis nobres que com as suas famílias deixaram
secretamente Portugal com destino à corte de Felipe IV. Não acreditam na
Restauração e temem o momento em que Felipe IV reconquiste o reino. Dentro de
uma caixa (ao que se diz de marmelada o que torna o caso mais apetitoso) levam
informações importantes e cartas daquela que fora vice-rainha em Portugal de
Filipe III (ou IV consoante a perspectiva), a duquesa de Mântua, por essa
altura presa em Lisboa, no convento de Xabregas.
A decisão dos conjurados do
1º de Dezembro está longe de ser consensual entre os seus, como se percebe pela
fuga de várias famílias para Espanha e pelas execuções, no Verão de 1641, de
vários acusados de conspiração contra a coroa portuguesa: entre os executados
contavam-se nobres como o duque de Caminha, o marquês de Vila Real e o conde de
Armamar.
Na versão mais ou menos
empolgada que aprendemos na escola do 1º de Dezembro de 1640 não tivemos tempo
para ouvir falar de homens como dom Pedro de Mascarenhas ou até da conspiração
de 1641 pois oficialmente o país estava com os 40 conjurados que no dia 1 de
Dezembro de 1640, depuseram a duquesa de Mântua.
A esta versão um pouco omissa
de 1640 juntou-se nos últimos tempos uma versão solidário-criativa. Estipula
ela que a Catalunha só não é independente porque em 1640 a Espanha entendeu ser
mais importante reprimir a revolta da Catalunha que a conjura que a 1 de
Dezembro desse mesmo ano estalara em Lisboa. Pasmo com a comparação pois para
lá dos argumentos que se usem a favor ou contra o direito à independência pela
Catalunha convém que os portugueses se poupem e poupem Portugal a este
infundado exercício de subalternização. Para ser solidário com a independência
da Catalunha não é necessário fazer de conta que Portugal era um principado ou
outras patetices similares.
Em 1580 Portugal era um reino com séculos de história como estado independente. Entre 1580 e 1640 Portugal teve como rei o rei de Espanha. Nada disto ou sequer parecido acontecia na Catalunha, um principado integrado no reino de Aragão, cuja autonomia variara ao longo do tempo. Não é difícil perceber que 1640 não podia ter sido ao contrário porque Portugal e a Catalunha não estavam ao mesmo nível.
A esta diferença no momento
da revolta outras se juntam: na Catalunha estamos perante uma revolta popular,
com aspectos de violência descontrolada. Em Portugal, teve lugar uma conjura
palaciana. Os conjurados não ignoravam o que estava a acontecer em várias
localidades do país e muito particularmente o que acontecera em Évora, durante
a chamada revolta do “Manuelinho”, em que a contestação aos aumentos de
impostos ordenados por Espanha, acabara a virar-se contra os notáveis
portugueses da cidade. Estes viram as suas casas saqueadas, a cadeia assaltada
e a vida da cidade tumultuada durante meses. Não por acaso no 1º de Dezembro de
1640, a violência existe mas é muito menor que na Catalunha e simbolicamente
fulanizada na figura do português Miguel de Vasconcellos, secretário da
vice-rainha duquesa de Mântua: em Dezembro de 1640, em Portugal, não só foi
aclamado um novo rei como se neutralizou a revolta popular.
E sobretudo 1641 é
completamente diferente em Portugal e na Catalunha: Portugal vai iniciar uma
guerra real e diplomática pela sua independência. Na Catalunha foi declarada a
República que incapaz de se defender se colocou sob a protecção da França. Por outras
palavras, a Catalunha trocou a Espanha pela França, cujo rei acabou Conde de
Barcelona.
A
boda e a baptizado, não vás sem ser convidado – diz o provérbio.
A
processos independentistas até com convite deve pensar-se duas vezes antes de
ir. E no caso da Catalunha, os portugueses devem ouvir muito, falar pouco e
sobretudo não esquecer donde vêm. (in “Cuidado
com as aparências” por Helena Matos)