Nuno Álvares Pereira aprendeu com
mercenários ingleses a táctica que dizimava os franceses na Guerra dos Cem Anos,
e aplicou-a em batalhas que venceu
No verão de 1381, o escudeiro Nuno
Álvares Pereira, de 21 anos, ao serviço do monarca D. Fernando, acompanhava
mercenários ingleses nas guerras fernandinas contra Castela, onde reinava D.
Juan I. Eram operações militares de saque, devastação de território, tomada de
prisioneiros e destruição de campos de cultivo, para desmoralizar o inimigo.
Mas, desses veteranos, Nuno Álvares Pereira ouviu a lição da sua vida: a
receita militar inglesa que dizimava os franceses em sucessivas batalhas, na
Guerra dos Cem Anos. Essa nova táctica, de combate apeado, consistia na ocupação
prévia do terreno da batalha, com o cuidado de verificar se havia nos lados e
atrás obstáculos naturais (linhas de água, bosques, zonas de floresta ou de
construção), que não permitissem a um exército maior “abraçá-los”, isto é,
envolvê-los pelos flancos. Se estivessem num sítio alto, melhor ainda. Por
vezes, escavavam fossos e covas de lobo à frente da sua posição, dissimulados
com ramagens – se viesse um exército de cavalaria pesada, cheio de ímpeto, os
cavalos começavam a tropeçar ou a empinar-se, derrubando os cavaleiros, numa
amálgama caótica de homens e animais. O inimigo tornava-se um alvo fácil para a
peonagem armada de lanças e, sobretudo, para os arqueiros e besteiros. Álvares
Pereira tomou boa nota dos ensinamentos dos mercenários. Foi inteligente e isso
consagrou-o depois como grande estratego militar português.
Quando D. Fernando morreu, a 22 de
Outubro de 1383, a uma crise sucessória associou-se uma “revolução”. Nuno
Álvares Pereira alinhou pelo mestre de Avis, no partido dos segundos filhos e
bastardos, que viam a sua ascensão política e social barrada pelos
primogénitos. Estes, para manter o statu quo, resolveram apostar no trunfo que
julgavam ser mais poderoso, o rei de Castela, D. Juan I, que reivindicava o
trono português com base no seu casamento com Beatriz, filha herdeira de D.
Fernando, que aceitou o enlace quando estava já muito doente.
Não houve aqui sobressaltos
patrióticos. “Uns e outros geriam os seus interesses”, diz João Gouveia
Monteiro, especialista em Idade Média, professor da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra. D. Juan I invadiu Portugal, em busca do trono. O
objetivo era cercar Lisboa, que o mestre de Avis se preparava para defender.
Mas, antes, o líder da “revolução” nomeou Nuno Álvares Pereira “fronteiro” (ou
comandante militar) do Alentejo. Era preciso um outro exército, com capacidade
de manobra, que não estivesse imobilizado dentro de Lisboa, e que tentasse
travar a travessia das tropas castelhanas que usavam a planície alentejana para
se juntarem ao cerco da capital.
Mal chegou a Évora, com 240 homens
armados, Nuno Álvares Pereira procurou recrutar mais efectivos apeados que
trouxessem uma lança ou uma besta, facas domésticas bem afiadas, partasanas
(alabardas de ferro comprido, de ponta larga e perfurante), ou manguais,
instrumentos para malhar cereais. Era o possível. O “fronteiro” estava a formar
este exército quando soube, em Estremoz, que um contingente castelhano, a
caminho de Lisboa, se encontrava a cercar a vila de Fronteira, no Alto
Alentejo. Este contingente tinha cerca de mil cavaleiros, uma cavalaria ligeira
de 200 ginetes e um número não apurado de peonagem e de besteiros. Por sua vez,
Nuno Álvares Pereira arrancou de Estremoz com cerca de 300 cavaleiros, perto de
mil peões e uma centena de besteiros.
A meio dos 20 quilómetros que separam
Estremoz de Fronteira, surgiu um emissário castelhano que tentou aliciar o
“fronteiro” com generosas recompensas se desistisse e passasse para o lado onde
se encontrava o seu irmão mais velho, Pedro. Nuno Álvares Pereira pô--lo a
andar. Os castelhanos só deixaram os preparativos do cerco quando o emissário
chegou com a resposta, o que permitiu a Álvares Pereira começar a aplicar, com
rigor, a receita inglesa: escolheu o local da batalha, numa pequena herdade em
Atoleiros, a cerca de 2,5 quilómetros de Fronteira. O terreno estava cortado ao
meio por uma linha de água de uma ribeira (o mês era Abril, devia estar bem
nutrida), o que quebrava o ímpeto do ataque inimigo. E o próprio topónimo
Atoleiros indica solo alagadiço. Toda a tropa do “fronteiro” iria combater a
pé, tomando posição num pequeno cabeço, estreito e não muito alto, com cerca de
200 metros de largura, sobre a linha de água. Dispôs a sua vanguarda com
lanceiros, colocou nas alas os atiradores com besta, e na retaguarda uma força
de apoio. E, mais atrás, estariam possivelmente outros besteiros que se
encontravam num ponto mais alto, dez a 15 metros acima da linha de água, e que
podiam disparar os seus virotões por cima das cabeças dos seus companheiros.
Foi este dispositivo que os
castelhanos encontraram à sua espera. Seguiram o modelo francês – o ataque todo
feito a cavalo, embora em pequenos esquadrões de dez a 15 homens, de cada vez.
Os grupos iam--se sucedendo, mas tinham de atravessar a ribeira e o terreno
empapado, e depois subir, para chegar ao contacto com o exército de Nuno
Álvares Pereira. Tudo lhes quebrava o ímpeto. Os cavalos tropeçavam e não
avançavam, os que vinham atrás chocavam com eles, que se empinavam, e eram logo
atingidos pelos tiros dos besteiros, e os cavaleiros que conseguiam chegar ao
contacto com a vanguarda portuguesa tinham combatentes apeados com lanças
apontadas aos peitos dos animais a recebê-los. A batalha terá demorado, no
máximo, duas horas – tempo suficiente para a chacina do exército castelhano,
apanhado pela surpresa e pelo pânico.
“Do ponto de vista psicológico e
anímico, esta vitória teve um efeito brutal”, diz João Gouveia Monteiro. “Os
castelhanos tinham um exército muito mais poderoso – mas, afinal, não eram
invenciveis. A quem estava destinado a encerrar-se em Lisboa com o mestre de
Avis, a resistir ao cerco do rei de Castela, deu um ânimo tremendo.” Nuno
Álvares Pereira foi a Almada, para transmitir a boa nova ao mestre, através de
sinais de fogo.
Porém, em Setembro de 1384, Lisboa
estava nas últimas, após cerca de quatro meses de cerco por terra e mar. Se
caísse, isso significava a derrota da causa “revolucionária”. Eis, no entanto,
que um surto de peste atacou em cheio o acampamento dos 20 mil castelhanos. Os
sitiantes morriam às dezenas por dia. A D. Juan I não restou outra alternativa
senão levantar o cerco e retirar-se cabisbaixo para Castela. (por J. PLÁCIDO
JÚNIOR in “Os
segredos das 6 batalhas que salvaram Portugal”)