Porque é que, quando têm de entrevistar o líder do CHEGA, os jornalistas e comentadores ficam de repente estúpidos?
A cena repete-se há anos. Ninguém parece querer ou ser capaz de fazer perguntas a André Ventura. Estão ali para o contradizer, para o desmentir, para lhe chamar nomes. Não são nem nunca foram assim com nenhum outro entrevistado. Álvaro Cunhal, que em 1975 tentou fazer abortar a democracia em Portugal, foi sempre entrevistado com urbanidade, apesar das suas incontornáveis “cassetes”.
Obtêm os entrevistadores, com os seus impropérios, alguma coisa de André Ventura? Não.
É talvez o lado mais absurdo de tudo isto.
De entrevista em entrevista, todos já deviam ter aprendido que Ventura não se deixa intimidar por más maneiras, e que vai preparado para armadilhas. Também seria de esperar que soubessem outra coisa: que os ataques do entrevistador dão uma enorme vantagem a Ventura. Outros entrevistados têm de responder a perguntas, ou correr o risco de parecer que não respondem; Ventura só tem de rebater e retribuir agressões e pedradas.
Os jornalistas e os comentadores não percebem isto? As pessoas, não sendo estúpidas, só se comportam como se o fossem por duas razões: ou quando não compreendem a situação, ou quando, compreendendo, o medo – a pior das emoções — as paralisa ao ponto de não conseguirem agir de modo inteligente. O segredo da entrevista a André Ventura parece-me que está aqui: diante de Ventura, o jornalista e o comentador são gente assustada. Mas não é Ventura que lhes mete medo. São os outros: todos os que o entrevistador imagina que o estejam a ver, ouvir ou ler a entrevistar André Ventura. É a pressão dessa multidão imaginária que torna estúpido o entrevistador.
O cerco que a esquerda e parte da direita montaram a André Ventura não dissuadiu 1,5 milhões de portugueses de fazerem do Chega, em seis anos, o segundo maior partido parlamentar. Não se deixaram intimidar. Mas aqueles que lutam por empregos, posições e destaque no sistema mediático, esses, sim, ficaram apavorados. A tese de que não se deve “dar plataforma” ao Chega ou de que o Chega não pode ser “normalizado” tornou a entrevista a André Ventura no exercício mais perigoso do jornalismo em Portugal. Diante de Ventura, o entrevistador sabe que toda a gente o está a vigiar. Vai ele deixar Ventura falar? Vai ele tratá-lo como a qualquer outro entrevistado? Ai dele: estará a incorrer no crime de lhe “dar plataforma” e de o “normalizar”. Por isso, a preocupação principal do entrevistador, perante Ventura, não é levá-lo a responder a perguntas, mas distanciar-se dele, mostrar que nada tem a ver com ele, pelo recurso primitivo de o afrontar e insultar.
Há, no jornalismo, activistas anti-Chega. Mas mesmo a manifestação do preconceito, de tão ostensiva, precisa de ser explicada, porque é regra, em relação a tudo o mais e por uma questão de profissionalismo, o jornalista tentar passar por imparcial. Só em frente de Ventura o fanático julga que pode ou até deve expor o seu fanatismo. Até o mais encartado activista se sente obrigado a exibir excesso de zelo. Não está menos assustado.
Numa entrevista a Ventura, é como se quem estivesse a ser entrevistado não fosse Ventura, mas o entrevistador. Funciona, para os entrevistadores, como uma espécie de entrevista de emprego. É a ocasião de provarem que nada têm a ver com Ventura e, por isso, merecem a consideração e as posições que têm ou a que aspiram. Tal como quando classificam os debates de Ventura, não estão a pensar no líder do Chega, mas nos colegas e correligionários que os possam acusar de simpatia pelo diabo ou de pouca fé, e fazê-los “cancelar”. Não lhes interessa a verdade, mas apenas serem aceites.
