domingo, 11 de março de 2007

eleição dos Grandes Portugueses



JOSÉ MATOSO

É o autor do texto do abaixo-assinado contra a eleição dos Grandes Portugueses, na RTP. Embora não queira liderar uma campanha sobre o assunto, o historiador José Matoso só vê ra­zões para juntar a sua indignação à de mais 90 investigadores

O que fez o mundo acadé­mico vir a terreiro contra Os Grandes Portugueses?
O concurso poderia ter algum interesse, se levasse a uma reflexão sobre o que é ser um grande português. Em vez disso, resultou numa coisa deturpadora da relação que se deve ter com a História. O sistema de votação, a falta de qualidade dos conteúdos e a dicoto­mia usada para apresentar cada figura, como «bom rei ou mau filho?», tudo se conjugou para tomar o programa uma farsa.

Comecemos pela votação...
Há uma ausência total de controlo sobre ela. Quantos comunistas votaram por ordem do partido, para eleger Cunhal? Ou quantos fascistas se organizaram para que vença Salazar? Não existe qual­quer representatividade na votação.

E porque se queixa da qualidade?
Vi o pro­grama sobre D. Afonso Henriques e dava a impressão de que o maior contributo dele foi levar Portugal à final do Euro 2004. Comparar a batalha de Ourique a um jogo de futebol, como estava subjacente, é com­pletamente tonto. E o programa estava cheio de erros cronológicos, de aprecia­ções deturpadas, de imagens que nada ti­nham a ver com D. Afonso Henriques. Por exemplo, as armaduras da batalha eram do séc. XV, quando ela se deu no séc. XII.

Apesar de tudo, não pode ser uma forma de despertar o interesse pela História?
Não houve qualquer interesse pela História, que foi reduzida a um jogo, a uma com­petição entre Salazar e Cunhal, ou Vasco da Gama e Camões. Assim, o programa é contraproducente e só visa captar audiên­cias, a todo o preço. Não houve vontade de exibir coisas bem feitas, nem de ir buscar pessoas de qualidade.

Noutros países venceram figuras quase con­temporâneas, Churchill, em Inglaterra, ou De Gaulle, em França. A que atribui isso?
Chur­chill salvou a Inglaterra de uma derrota que ameaçava a sua própria existência e a percepção do público baseou-se nessa ideia simples. A votação em França terá ido também nesse sentido. Em Portugal, poderia ter-se feito uma reflexão sobre a questão de saber se houve alguém que tenha salvo o País de uma situação semelhante. Em vez disso, fez-se um jogo, com um vencedor e derrotados.

Como se poderia fazer um programa destes?
Isso com­petiria às pessoas da cultu­ra, em várias áreas. Há no teatro quem interprete bem os factos do passado, como Luís Miguel Cintra. Mas isto foi entregue, de pés e mãos, aos publicitários. Não sou contra o concurso, mas o modo como o fizeram. Acho degradante a RTP colaborar o num coisa que ridiculariza a nossa História.

A lista final dos dez eleitos surpreende-o, de alguma forma?
Talvez não me ocorresse que escolhessem Aristides de Sousa Mendes, embora me pareça muito justo. Assim como acho justa a eleição de Pessoa, não tanto por escrever a Mensagem, mas por ter uma poética muito expressiva do modo de ser português.

Quem seria o seu Grande Português?
Os dez mais votados são figuras impor­tantes. Mas uma nação é uma construção colectiva, com contributos de génios e de pessoas que nunca serão conhecidas. Por isso, se escolhesse alguém que deu a ideia de Portugal como uma epopeia colectiva, seria Camões. O contributo dele não é facilmente discutível. Os autores do séc. XIX concordavam nisso, os republicanos também e até o Estado Novo o manteve como figura nacional. Mas outra forma de construir a nação é a própria acção políti­ca. D. Afonso Henriques, D. João II ou até Salazar, quem teve mais importância na construção da nação? Ora aí estaria uma reflexão bem interessante.
Emilia Caetano Visão 1 de Março 2007-03-11