terça-feira, 13 de maio de 2008

Rosé Sócrates, un socialista!


José Miguel Gaspar, no Jornal de Noticias, publica este extraordinário artigo que tem que ser lido como antigamente: nas entrelinhas.

As novas gerações, "X", "rasca", "J" e "morangos" não o saberão fazer. Pena!

Deliciem-se os mais velhos... se ainda não esqueceram como o fazer.


O vultuoso Hugo Chavez tem essa imensa vantagem evita sempre as designações ambíguas do engasgo - e coloca as coisas de forma franca e direita: "Eles produzem muitos alimentos, azeite, leite 'y vino'. E querem petróleo. Pois que vamos começar a mandar-lhes petróleo".

Foi assim, clarito como água, que anteontem o presidente venezuelano apresentou as relações bilaterais com Portugal e deu a conhecer à sua nação a visita que o primeiro-ministro português José Sócrates inicia hoje à Venezuela. "'Rosé' Sócrates, un socialista!".

'Rosé', que teve direito a 90 segundos de tempo de antena no "Alô Presidente!" - dominical tribuna televisiva que Chavez usa prolongadamente no canal estatal VTV, adaptando aos meios de hoje o modelo de Fidel de prelecção directa ao povo -, 'Rosé' foi apresentado como "um homem humilde, um homem do povo".

E Portugal cortejado de mão afectuosamente levantada pela televisão "Portugueses saúdo-vos". Lembrou ainda que a comunidade portuguesa daqui é substantiva (meio milhão de emigrantes; metade na capital Caracas) e tornou a sublinhar pitorescamente a comunhão de ideologias: 'Ellos tanbien son socialistas'.

Gravatas vermelhas

Com 80 empresários portugueses incluídos no préstito governamental - haverá certamente alguns pares de gravatas vermelhas para pôr ao lado das rubras camisas de Chavez quando surgir a 'photo oportunity', que não faltará chegaram cá ontem mais 30 jornalistas -, a visita de três dias é essencialmente financeira.

É esse o verdadeiro sinal de amizade visto dos dois lados: o incremento numas relações económicas que, para já, têm tido pouca expressão - a Venezuela é o nosso 60.º cliente de vendas para o exterior (quota 0,04% de exportações); nas importações estamos em 86.º (0,2%).Simbolicamente, a transacção é de produtos por produtos, num sistema muito do apego de Chavez, que dá petróleo a Cuba e recebe em troca médicos para o seu popular programa de cuidados básicos de saúde 'Barrio Adentro', que vai já na terceira edição.

Essencialmente será betão (Lisnave, Teixeira Duarte, Mota Engil), máquinas industriais e aparelhos, mais produtos alimentares (azeite, leite, vinho), em troca de petróleo - Portugal quer passar a comprar à mega PDVSA, maior companhia de um país que é o quarto produtor mundial, 30 mil barris por dia.

Portugueses de passagem

Os três dias integrarão formalmente a comunidade portuguesa, cuja taxa de sucesso é de 80%, numa imensa maioria de madeirenses que já são mais caraquenhos, com uma visita ao Centro Português e um concerto de Mariza oferecido debaixo das frondosas ceibas e samans do Parque Del Este.

É pouco provável que a comitiva nacional, que só se quedará realmente dois dias, tenha tempo para aperceber-se do inseguro clima social de Caracas, onde este fim-de-semana foram assassinadas 41 pessoas (contagem do "El Nacional" de ontem; abaixo da média, que ronda 50), onde é vulgar as casas terem grades e segurança de altas voltagens mais arame farpado, onde há 382 pessoas sequestradas por ano.

É por certo impensável que a comitiva entre nos colossais 'barrios rancheros' que crescem desalmadamente encosta acima pelo monte Ávila e empurram a miséria encosta abaixo, cerrando ainda mais o espesso urbanismo compacto de Caracas.

Mas todos serão obrigados a experimentar as rodovias caraquenhas e ver de perto os radicais do tráfego que vão de carro para todo o lado, conduzem de forma bastante liberal sobre os semáforos e compram por dia 40 novos carros (12 mil/mês).

Com tais entupimentos, permanentemente súbitos, a hora de ponta do garrafão da 25 de Abril, ou da portuense VCI nas horas úteis, parecerá uma brincadeira com carrinhos de crianças.

Os que não sabem, espreitem o preço da gasolina e logo saberão porquê encher um depósito de 60 litros custa... 1 euro. Sim, um euro dá para atestar o tanque de um jipe. JN 130508 José Miguel Gaspar, em Caracas