sexta-feira, 12 de junho de 2009

para memória futura...

EXPRESSO - Há dois anos fizemos-lhe uma entrevista que começava com esta pergunta: identifica-se com o secretário-geral do PS?
JOSÉ SÓCRATES - A linha política do PS está adequada às circunstâncias. É verdade que, nos últimos tempos, o PS se tem ocupado sobretudo a procurar o seu caminho na oposição, mas seria injusto não ver em grande parte dos seus resultados nas sondagens o resultado da crítica à governação económica. Neste debate, como noutras questões políticas centrais, o PS esteve no sítio certo e com o discurso adequado.
EXP. - Não tem conseguido descolar do PSD nas sondagens. Isso não o preocupa?
J.S. - Estar à frente em todas as sondagens é muito reconfortante. Esperar que, ao fim de dois anos, o PS estivesse 10 pontos à frente do PSD seria um pouco irrealista. Com certeza que o PS ainda tem um caminho de afirmação a fazer.
EXP. - Estes dois anos não foram anos perdidos pelo PS nesse trajecto?
J.S. - A oposição tem sempre dois trabalhos: avaliar o Governo e afirmar um projecto político alternativo. O primeiro foi cumprido, o PS contribuiu para um debate onde ficou clara a sua divergência do Governo quanto às grandes questões nacionais. O segundo ainda está a cumpri-lo.
EXP. - Não é sintomático de alguma indefinição do papel de oposição que os discursos críticos do Presidente, como o de domingo, acabem por ser mais marcantes do que os do PS?
J.S. - A ideia de que um discurso do Presidente escurece o PS é errada. Ao contrário, dá mais luz e mais credibilidade às suas posições. A intenção do PR não é essa, mas as suas observações críticas têm esse resultado. Grande parte do que disse o Presidente é dito pelo PS há muito tempo.
EXP. - Sem o mesmo impacto. O PS não tem um problema de comunicação com os portugueses?
J.S. - Seria infantil não reconhecer que o PS tem ainda um caminho a percorrer. Mas também seria ridículo não reconhecer que o PS enfrentou neste último ano momentos muito difíceis, que prejudicaram a sua acção política. Agora, na questão política essencial - a governação económica - o PS travou um debate com o Governo desde a primeira hora. E ao fim de dois anos, a conclusão que podemos retirar é que ganhou esse debate.
EXP. - Não se deixou enredar nesse jogo, que o Presidente qualificou como «estéril», de saber quem são as culpas?
J.S. - O debate nunca é estéril, é bom. Mas interpreto as palavras do Presidente como a mais certeira crítica à desculpabilização com a herança recebida. Isso é que é absolutamente negativo e, aliás, imaturo. É altura de cada um assumir as suas responsabilidades.
EXP. - Parece-lhe mesmo que as pessoas entenderam que o PS ganhou o debate?
J.S. - O mérito de uma política funda-se sempre nos resultados. Estes falam mais alto do que a retórica.
EXP. - Estamos a meio da legislatura. E o que o Governo diz é que até agora só esteve a compor o que estava errado.
J.S. - Uma governação económica muito centrada no défice orçamental deu os resultados que deu, em todas as áreas, e que só tem uma classificação: um falhanço. O PS sempre disse que esta política não iria resolver o problema orçamental mas acrescentar um novo problema, a crise económica. Agora chegou o momento da verdade, o debate já não é apenas a dois, é a três: nós, o Governo e o povo. E se o primeiro-ministro não quis ouvir durante estes dois anos, vai ter de ouvir agora, no momento das eleições.
EXP. - Europeias. Não legislativas.
J.S. - Todas as eleições, quaisquer que sejam, são momentos de avaliação. Todas. Seria um erro não as interpretar assim. Este é ou não um momento para dar um aviso ao Governo? É. Vai ser. E será uma cegueira não o reconhecer. Não acredito que o primeiro-ministro seja tão autista que, se for claramente derrotado nestas eleições, não tire delas consequências políticas para a condução do Governo.
EXP. - Mas se o Governo ganhar as eleições, não é de esperar que seja o PS a retirar consequências?
J.S. - Mas algum dia o PS não retirou consequências de uma derrota? Agora isso não nos deve é levar a mudar de convicções e de valores políticos.
EXP.- E de pessoas?
J.S. - Bom, isso está sempre disponível. Mas este é o momento de disputar eleições. Haverá um momento para discutir o partido que é o Congresso, no final do ano. E será um Congresso de debate político. Não será um Congresso ritualista, de mero contar de narizes. Terá substância política, contribuirá para a afirmação do projecto político do PS. Marcará o arranque para a última fase da legislatura.
EXP. - Mas o debate está antecipado: há já um candidato à liderança, há altos responsáveis que defendem um Congresso com disputa da liderança...
J.S. - Cada um sabe de si. Eu sou muito disciplinado: não faço nenhuma declaração que contribua para o enfraquecimento da posição do PS ou da sua liderança.
EXP. - Não dá nem um sinal aos que gostariam de o ver avançar para a liderança do PS?
J.S. - Não tenho nenhuma angústia de protagonismo e acho que os políticos têm o dever de poupar o país a palavras inúteis. O desafio para um político é dizer as coisas certas nos momentos adequados.
EXP. - É abusivo interpretar o seu silêncio a este respeito como uma porta que não está fechada?
J.S. - Sim. A melhor interpretação que pode ter para o meu silêncio, é o silêncio sobre essa matéria.
EXP. - Muita gente também fala de si para a Câmara de Lisboa.
J.S. - Isso é muito simpático. Deve ser consequência daqueles debates que tive com Santana Lopes, na televisão.
EXP. - A disponibilidade de Manuel Maria Carrilho é extemporânea?
J.S. - Ele é um candidato a candidato. Mas o PS vai ainda escolher os candidatos, e fazê-lo no momento adequado. O tempo é uma variável absolutamente crítica em política.
EXP. - Neste momento o PS não ganharia em ter um candidato que personificasse a oposição a Santana Lopes?
J.S. - Não. Não há nada pior que antecipar os momentos do debate e discussão políticas. Agora, o PS deve focar-se no essencial: as eleições europeias. Não há nada pior na democracia portuguesa do que a desvalorização do debate europeu, que é de enorme importância. A maioria tem boas razões para querer desvalorizar estas eleições. Não só porque as encara como difíceis mas também porque a coligação não se funda num projecto político comum mas num somatório de fraquezas. Mas tem sido chocante o seu silêncio a propósito de qualquer questão europeia.
EXP. - Na propaganda do PS, a Europa também apenas serve como referência para se fazerem críticas internas...
J.S. - Estas eleições vão ser dominadas pela economia e pela guerra. Vão ser um referendo europeu à guerra no Iraque, um tema que é de importância mundial e um grande desafio à Europa. Esta guerra foi um erro clamoroso, e um dos seus aspectos mais indignos foi ter-se baseado numa mentira: não há nada pior numa democracia do que a mentira.
EXP. - E o PS está à vontade nessa matéria? Com o Iraque deu um pouco o flanco...
J.S. - Absolutamente à vontade. Mas, voltando atrás, o projecto europeu é o grande projecto dos nossos tempos. O alargamento e a Constituição são mudanças vertiginosas. E o sucesso da União Europeia é também o sucesso de Portugal. É absolutamente irresponsável que dois partidos que estão no Governo não tenham a mínima contribuição para um debate decisivo.
EXP. - Voltando ao Iraque, pode discordar-se da intervenção mas ela aconteceu. E agora?
J.S. - A melhor forma de contribuir para a solução, agora, é reconhecer que foi tudo um erro. Acho inacreditável que o primeiro-ministro ainda o não tenha feito. O mundo ficou em situação pior.
EXP. - Se as eleições de 13 de Junho fossem legislativas e o PS as ganhasse, o que faria?
J.S. - Cumprir os compromissos assumidos com a comunidade internacional até 30 de Junho e, não havendo nenhuma mudança na condução institucional da situação no Iraque, retirar. Deve procurar-se maior legitimidade internacional, através da ONU e das organizações multilaterais. Nunca, em Portugal, tivemos uma intervenção militar que dividisse tanto como esta. O primeiro-ministro não deveria ter mais consideração pela opinião dos outros?
EXP. - Chegou a um consenso com o Presidente da República, por isso é que a GNR foi para o Iraque.
J.S. - Pois, mas essas soluções de compromisso às vezes são as piores. Naquele teatro militar, que pode ser de grande instabilidade, melhor seria ou estarem militares ou não estar ninguém. No essencial, houve duas questões centrais nestes últimos dois anos: a guerra e a governação económica. E a conclusão a que podemos chegar é que nestas duas áreas o primeiro-ministro conduziu mal o país. Errou.
EXP. - Dias depois da vitória do PSOE, Ferro Rodrigues comprometeu-se a não pedir o regresso da GNR.
J.S. - O PS nunca pediu o regresso da GNR. Sempre defendeu é que sem uma legitimidade política a presença portuguesa não adianta, pelo contrário, contribui para insistir no erro. Mas não devemos pedir para que regressem já pela simples razão de que há compromissos a respeitar.
EXP. - O que lhe pareceu o facto de ter sido Manuel Alegre a fazer o discurso do 25 de Abril? Há quem pense que foi um sinal de que é um potencial candidato à Presidência da República.
J.S. - O Manuel Alegre é um bom orador. O tema do 25 de Abril está bem entregue.
EXP. - É um bom pré-candidato à Presidência?
J.S. - Por amor de Deus, acho que o melhor candidato que o PS tem e o melhor com que podemos servir o país se chama António Guterres.
EXP. - Só há um problema: a vontade dele! Tem esperança que queira?
J.S. - Tenho. Espero que reconsidere e possa vir a candidatar-se.
EXP. - E se não quiser?
J.S. - Não teremos o melhor candidato, teremos outro.
EXP. - Quem?
J.S. - Alguém haverá. A política tem horror ao vazio.
in
Grupo Parlamentar do Partido Socialista entrevista ao Expresso - 1/5/2004