quarta-feira, 5 de agosto de 2009

uma crónica irresistível no Público


por Paula Torres de Carvalho

Quando a juíza presidente do colectivo que julgou Isaltino Morais perguntou aos advogados se tinham algo a opor à leitura resumida do acórdão, muitos dos presentes na sala de audiências do Tribunal de Sintra suspiraram de alívio. Sobretudo os jornalistas com a tarefa de divulgar, com a maior rapidez possível, a decisão dos magistrados sobre a condenação ou absolvição do autarca.
A espera de uma hora pelo início da audiência seria compensada pela apresentação sintética da conclusão do tribunal após quatro anos de julgamento. Era uma boa notícia. O volume com os fundamentos do acórdão poderia ser depois consultado com pormenor por quem precisasse ou desejasse. Ilusão. Contrariando as expectativas, o colectivo composto por três jovens juízas, presidido por Paula Albuquerque, repartiu a leitura “abreviada” do acórdão ao longo de quase cinco horas. Ora com uma voz mais grave, ora mais fina mas sempre acelerada e muitas vezes imperceptível, as magistradas relatavam à assistência os factos provados e não provados, os tipos de crimes e as medidas das penas, enquanto se abanavam com folhas de papel a servir de leque. “(...) não há prova concreta sobre proveniência dos montantes com base em actos contrários à lei...”, liam apressadamente. “Não é de excluir a sua responsabilidade na prática do crime de fraude fiscal”, prosseguiam. Havia quem dormisse, quem bocejasse e bufasse de impaciência. “O que é que ela disse?” perguntava-se de quando em quando.
Os arguidos, sentados ao lado uns dos outros, remexiam-se inquietos, nas cadeiras esperando o veredicto. Por instantes, alguns pareceram mesmo ter adormecido. Não, impossível, deviam estar era com muita atenção, dizia um jornalista.
A exposição oral da decisão do tribunal com base na prova produzida em julgamento, é a forma de assegurar o princípio da publicidade do processo. Ou seja, tornar público, dar a conhecer a todos o que esteve em causa, o que se provou e não provou e levou à decisão do colectivo. Mas se nem se percebe bem o que dizem, seja pela linguagem usada no acórdão, seja pela correria com que é lida...questionavam alguns dos presentes.
Nenhuma das três juízas deve ter frequentado as aulas de colocação de voz que fazem parte do curso dos candidatos a magistrados no Centro de Estudos Judiciários (CEJ). Não houve quem poupasse críticas à directora da escola de magistrados, a professora Anabela Rodrigues, quando decidiu, há uns anos, introduzir uma nova disciplina no curso para que os futuros magistrados aprendessem a colocar a voz. Deviam era aprender a contactar com a realidade e não perder tempo em coisas menores como aulas de voz, argumentavam os críticos.
Anabela Rodrigues e os outros directores do CEJ não cederam às críticas, convictos de que a forma de falar e de se fazer ouvir e entender em tribunal é um contributo essencial para a qualidade de comunicação, assegurando que a mensagem passa e é bem percebida. Só desta forma poderá ser eficaz e pedagógica.
Entre o público, discretamente, na última fila, vestido desportivamente, o professor de direito e ex- deputado do PSD, Costa Andrade, resistiu heroicamente até ao final da leitura. “Estou aqui por acaso”, disse, quando abordado. “Vim com um sobrinho advogado, até estou de férias”, explicou sorridente. O meu grande erro foi ter sugerido à minha filha que fosse assistir à leitura do acórdão. Ela vai ter de escolher, muito brevemente, a área do curso que vai seguir. Como é boa a letras, avancei: “Direito, pareces ter jeito... e mais tarde podes tentar a magistratura”. O fim do “caso Isaltino” era uma oportunidade para ela observar o ambiente do tribunal. “Mas não sei nada do processo”, disse-me. “Vais lá e percebes certamente. Com a leitura do acórdão, retira-se o essencial”. Convenci-a.
Quando a juíza ditou a decisão dos sete anos de prisão efectiva, fez-se silêncio na sala, Isaltino saiu directamente para a casa de banho onde se demorou e no meio da confusão da gente que comentava a decisão e dos jornalistas que aguardavam um comentário do autarca, avistei a minha filha.
Aliviada com o final da audiência disse-me, zangada, enquanto caminhava para a saída: “Mãe, esquece”.
Vou ter agora de lhe explicar que há muitos acórdãos bastante mais simples e que não demoram cinco horas a ler. Mas duvido que ela queira repetir a experiência nos tempos mais próximos. Público